A 21ª edição do Doclisboa começa hoje e estende-se até ao próximo dia 29, exibindo filmes documentais sobre o passado, o presente e o futuro, não deixando para trás as várias formas de expressão artística sobre as quais se debruça o cinema. A secção Heart Beat deste ano conta com o filme Joan Baez I Am a Noise, que o Altamont recomenda vivamente.
As pessoas importantes da História, que idolatramos e aos calcanhares de quem aspiramos chegar um dia, são frequentemente postas em pedestais inalcançáveis, sítio de onde é impossível avistar imperfeições ou sinais de ordinariedade. As pessoas que nos inspiram ajudam-nos a ultrapassarmos os nossos próprios problemas e, por isso, não podem ter tempo para ainda terem de cuidar dos seus. Certo? Sabemos que são “pessoas como nós” e que, com certeza, terão também problemas de pessoas normais – mas é por esta conclusão que ficamos e a mais não somos obrigados. Afinal, génios devem ter mais com que se preocupar do que com as coisas de todos os dias.
É por isso que ficamos sempre muito admirados quando descobrimos que os nossos artistas preferidos também têm episódios da sua vida para contar além das pessoas interessantes com quem se cruzaram e da vida de estrada que podemos apenas imaginar. E se esta pincelada de humildade vier em forma de documentário biográfico sem floreados nem cicatrizes por sarar? Eis que surge Joan Baez I Am a Noise, poderoso retrato de um dos nomes mais importantes do folk.
Realizado por Karen O’Connor, Miri Navasky e Maeve O’Boyle e com produção executiva de Patti Smith, o documentário mergulha na vida de Baez, na pessoa que esta foi além das câmaras e dos microfones e quem é por detrás das fotografias que romantizamos. Originalmente pensado como um registo da última tour da cantora mítica, o filme de 113 minutos acabou por encontrar nos arquivos da família um tema mais profundo e merecedor de atenção. Quem é, verdadeiramente, Joan Baez e o que a trouxe até aqui?
Desde muito nova que se lembra de sofrer de ansiedade e de ter aquilo que hoje em dia sabemos serem ataques de pânico. Uma família (não tão feliz) e uma forma de olhar o mundo muito moldada pela religião e pela ideia de dar aos outros foram as bases para a mente atabalhoada de uma muito jovem Joan que, desde cedo, se preocupou com o estado das coisas e com usar a sua voz para defender as causas em que acreditava. Encontrou na música a sua salvação e fez da sua vida uma revolução. Através dos arquivos antigos da mãe, Joan conta-nos a sua história em episódios e vê a sua própria memória desafiada e ressuscitada nesse exercício de auto-confrontação e introspeção. Vídeos caseiros, fotografias, entrevistas antigas, passagens de diários e até cassetes com sessões de terapia gravadas ilustram o passado imperfeito e por vezes difícil de uma mulher que ficou famosa da noite para o dia, no fim da adolescência, e que dedicou os seus dias a salvar o mundo sob o mote da não-violência. A relação com a sua família, o romance de quatro anos com Bob Dylan e o fim da sua carreira são os pilares desta retrospetiva para que Baez nos convida.
Começamos na sua casa na Califórnia e acabamos por fazer uma viagem inteira pela intimidade de Baez, conduzida pelas suas memórias e reflexões. A carreira de 60 anos da artista e ativista lendária, para quem olhamos com grande admiração, não deixou transparecer as dificuldades mundanas que até Baez teve de enfrentar. Agora, aos 82 e bem resolvida com o seu passado sinuoso e complexo, a cantora deixa cair o véu idolátrico e permite-se a ser vista de perto.
Joan Baez I Am a Noise é belo pela sua tentativa de aproximação à realidade e é completo nos seus recursos diferentes. É exibido no primeiro dia do Festival, dia 19 de outubro, às 22h no Cinema Ideal e volta a passar no dia 26 de outubro, às 18h15, na Culturgest.