Os funerais não são celebrações de pesar. Pelo menos não devem ser. Podem ser a celebração de uma vida, de uma memória, de um legado. Não foram estas as palavras exactas de Joaquim Albergaria, vocalista dos The Vicious Five, no concerto que a banda deu no NOS Alive, mas foi qualquer coisa assim do género. De volta do mundo dos mortos, os Vicious, trouxeram água à boca de todos os roqueiros nacionais (e internacionais) que muito moche e muita festa tiveram à custa deles. Vieram para ficar, ou apenas estão, tal e qual um funeral, a poder celebrar aquilo que durante vários anos nos ofereceram? Falámos com o vocalista do grupo, Albergaria, sobre isto e outras coisas mais. Em jeito de conversa e não entrevista, tivemos isto que se segue como resultado. Que seja tão bom para vocês como foi para nós. Obrigado.
Altamont: Durante o vosso concerto no NOS Alive falaste que esse espetáculo seria o funeral da banda. Ao mesmo tempo lançaram agora um álbum, o Ghost Eviction…
Joaquim Albergaria: Não é bem um álbum….
Falamos de um EP, então?
Na verdade é uma pré-produção que gravamos quando pensávamos em gravar um suposto terceiro álbum, que acabou por não dar em nada porque coincidiu com a altura em que decidimos arrumar as coisas na gaveta. As músicas ficaram para lá, a maturar, e a propósito deste funeral, deste fechar de ciclo, achamos por bem partilhar aquilo que foi o ponto onde nós ficámos realmente. O nosso último álbum não reflectia isso a 100%.
E como é que foi voltar ao palco depois destes anos todos? Notam que o público mudou?
(risos) Digo-te, tenho uma enorme admiração pelo Quim de há 5 anos atrás que nem te consigo explicar. Tocar com os Vicious é uma experiência muito mais física do que aquilo que tenho estado mais habituado. Pelo menos é um físico diferente porque implica uma outra postura de corpo, uma outra postura na relação com o público e acho que já não estava muito habituado a isso. Habituei-me a estar “escondido” atrás da bateria, atrás daquela intensidade toda que são os PAUS. Aqui não, aqui temos uma conversa com muita gente ao mesmo tempo, é uma coisa que dá prazer fazer mas não é fácil.
Pois, isso vai um pouco ao encontro de aquilo que te ia perguntar agora: Há diferença entre o Quim dos PAUS e o Quim frontman de Vicious Five?
Claro que há. Uma diferença astronómica, mesmo. Todas as bandas têm a ver com entrosamento com as pessoas com quem estás a tocar e PAUS é isso: aquelas quatro pessoas numa bolha a fazer música, a criar uma energia qualquer. Vicious Five trabalha com algo que talvez se prenda mais com senso comum. Trabalhamos com Rock & Roll que é uma coisa que toda a gente partilha, toda a gente reconhece uma escala pentatónica, consegue adivinhar qual é o tom que vem a seguir. O Rock & Roll é uma coisa que é natural, genético, para muita gente, por isso tens de trabalhar ali na comunicação pura e dura. Tem a ver com showmanship, com entretenimento. É uma coisa totalmente diferente. Aquilo que nós nos propusemos a fazer com os Vicious Five era uma coisa muito mais pura, muito mais simples e por isso, talvez, mais difícil em algumas situações. Com os PAUS como se trata de uma coisa sobre música, sobre explorar o que podemos fazer com instrumentos todos juntos…
É algo mais introspectivo, se calhar?
É mais intimo. Com Vicious estás a trabalhar com um território que é partilhado, público, então toda a gente percebe um bocado daquilo que se está a fazer: de Rock & Roll. PAUS como é uma coisa muito nossa, é diferente. Mas uma coisa te posso dizer, para nós foi um momento super emocional estarmos ali em cima a tocar. Os ensaios que tínhamos feito tinham estado a correr bem, mas estar em cima do palco, a ativar comportamentos, maneiras de estar, tiques e truques que não fazíamos há 5 anos puxa muita coisa ao de cima. Depois foi um choque geracional muito grande…
Sim, quem vos ouvia há cinco anos já não está como estava na altura…
São velhos meu! (risos) Ok, não são velhos, mas já está toda a gente a assentar, a casar, a ter filhos, a tomar decisões seguras.
Mas isso até permite que se faça um exercício interessante: Será o Rock uma coisa de idades ou não?
Não acho que seja…
Ou se as idades influenciam a maneira de viver a coisa…
Man, o Robert Johnson fez os blues dele até morrer. James Brown tocou até morrer, Miles Davis tocou até morrer… não estou a comparar mas são pessoas que eram aquilo que faziam. Eles eram a sua música, de certa forma, eles eram o Rock & Roll, e o simples facto de eles fazerem o que faziam, redefiniam, ao mesmo tempo, o seu tipo de música. Obviamente porque eram bastante importantes dentro da sua área, dentro do seu género, mas acho que tem tudo a ver com o nível de entrega, o nível de sinceridade para com aquilo que se é como pessoa e aquilo que se é como artista. Nesse sentido, acho que o Rock & Roll se aplica na mesma perspectiva: não tem a ver com quantos anos tens (já vi velhos extremamente jovens e crianças a nascer idosas). Não tem a ver com a idade tem a ver com quem és, com o que fazes e com a forma como o fazes. Por isso é que o Rock nunca morre.
O Rock não morre e agora, falando do Rock português em específico, achas que ele também está vivo e de boa saúde?
Está ótimo meu, está ótimo! Então não! Está sempre melhor, vai sempre melhorando. Tens coisas muito boas, como os Glockenwise, tens os Lazy Faithfull, grande malha. Os putos estão uns rockeiros que se tivessem aparecido ao mesmo tempo que nós tinham nos dado uma coça violentíssima. Envergonhavam-nos logo na primeira música. E pessoalmente, é um prazer ver miúdos a atacar com tanta força e com tanta vontade. Não me sinto responsável mas sinto que, de alguma forma, contribuímos para isso e isso é muita bom.
E mais projectos com Quim Albergaria como vocalista? Perspetiva-se alguma coisa?
Cantar é sempre uma coisa que me dá muito prazer mas é uma coisa que me dá muito trabalho também porque não sei fazer música sozinho. Posso tentar…
(passa uma rapariga a cantar)
Ela faz música sozinha… (risos) Posso tentar mas nunca me sabe bem o processo. Sinto-me sozinho. Preciso de conversar, preciso de alguém na mesma frequência que eu. Eu vou fazendo coisas, colaborações e isso, mas não saiu nada que justifique um investimento da minha parte. Ainda por cima PAUS está a correr muito bem, estou a ter muito prazer em fazer o que fazemos todos juntos e por isso…
Tendo em conta as várias participações que vais fazendo, todas elas de sucesso, não posso deixar de perguntar se posso ter uma banda contigo, mesmo que, com muita pena minha, não saiba tocar instrumento nenhum.
Sabes que há muitos músicos incríveis que não tem jeito para tocar, mas abordando a música de maneira lateral, acabam por fazer coisas interessantíssimas. Mas era o que eu te explicava, eu não consigo fazer música sozinho porque preciso de a fazer com amigos. Por isso, para ter uma banda contigo, primeiro tínhamos de nos conhecer melhor, ir jantar fora, etc. Com isto quero dizer: primeiro levas-me a jantar, tratas-me bem e depois logo se vê. (risos)
Fotos: Francisco Fidalgo