Está quase aí a décima edição do Milhões de Festa! Nascido em 2006, o festival já passou pelo Porto e Braga, mas desde 2010 fixou arraiais em Barcelos. Para quem não está familiarizado, o Milhões é o único festival do país com um palco numa piscina, e é o que nos dá a conhecer excelentes bandas, quando ainda estão por florescer – nos últimos anos, exemplos de Alt-J, Mikal Cronin, Moon Duo, EL Guincho, El Perro Del Mar, Crystal Fighters, Boogarins ou Jacco Gardner, para não falar na selecção nacional, com nomes como Sensible Soccers, Riding Pânico, Black Bombaim ou 10000 Russos.
Para entrar no mundo Milhões de Festa, conversámos com Joaquim Durães, nome de baptismo do director do Festival, conhecido em toda a parte como Fua.
Altamont: Para começar, citamos outra entrevista que deste, em que dizias que o Milhões de Festa de 2014 foi uma espécie de “final de ciclo, e o que vinha aí era um novo ciclo”. Que ciclos são estes?
Fua: Nós ao longo dos anos vamos estabelecendo metas e vamos descobrindo caminhos, e de repente percebemos que havia uma série de influências que estávamos a sentir, de uma série de bandas e de “cenas” que estavam a acontecer no mundo inteiro e que estávamos cada vez mais a seguir, falo da música do Norte de África e da música da América do Sul, e de repente percebemos que esse caminho que estávamos a tomar, sem percebermos muito bem, se estava a tornar quase um novo mote para o festival e também para a promotora [Lovers & Lollypops], que é um bocado agitar as águas e perceber que muitas vezes a música mais desafiante se encontra quase debaixo duma pedra no Médio Oriente, e não tanto nos habituais Estados Unidos e Inglaterra e afins, e o fechar do ciclo é um bocado isso, trazer um novo sentido ao termo “world music” ou afirmar esse termo como obsoleto e transformar essas bandas, ou encarar essas bandas e essas sonoridades, não como músicas do mundo mas como parte de um festival independente ou de rock. E é um bocado por aí que sentimos que o festival tornou-se isso, esse viveiro dessas bandas e dessas linguagens, sem querer rotular como isto ou aquilo.
Vocês sempre apostaram num cartaz muito ecléctico, como isso de ir para outras partes do globo. Como é que vêm a reacção do público do festival, o público está preparado para dar esse passo convosco?
Sim, penso que sim. Tem sido óptimo perceber que as pessoas também estão interessadas em perceber o que é que se está a passar. Eu tinha lido há uns tempos que o rock está em constante “perigo de calcificação” e é necessário estas influências fora deste eixo que normalmente estamos habituados a seguir, para que seja agitado, e sinto que o público também necessita de ser surpreendido por essa nova infusão, conspurcação quase da música rock no sentido lato. E acho que temos que pensar que temos de ter um público ao nosso lado, mas sinto também que as pessoas já se habituaram a ir ao Milhões para serem desafiadas, e isso é o nosso mote, é aí que o Milhões se enquadra no panorama dos festivais.
O festival também vai tendo cada vez mais parcerias internacionais, curadorias, que contribuem para tornar o Milhões um festival de maior envergadura, mas mantendo-se à margem dos maiores festivais em Portugal. Fala um pouco sobre isto.
São parcerias que nós vamos construindo quase por lógica, e sempre por afinidade. Por exemplo a Baba Yaga’s Hut – que é uma das promotoras mais interessantes neste momento em Londres – quando nos descobrimos mutuamente, foi amor à primeira vista e temos colaborado desde aí. E é muito bom sentir o pulso de Londres, através do que eles sentem. E logo quase a seguir, a relação com a Quietus acabou por ser também natural, pelo tipo de artigos e pelo que fazem no site. Havendo essa relação com a música, a forma como a sentimos, é natural que essas parcerias surjam de forma lógica. E nunca descurando os nossos irmãos espanhóis, como a Gira-Discos em Madrid, ou a Work On Sunday na Galiza, que são quase como irmãos de sangue, já de há alguns anos, e as nossas relações estendem-se ao longo do ano, sempre numa lógica de entreajuda.
O Milhões tem a base em Barcelos e vai continuar a ser o epicentro?
Sim, é uma cidade que nos acolheu de braços abertos, e olhamos para a cidade e vemos que ainda tem muito para oferecer, e isso é importante numa relação. Não só por que muitas das bandas com quem trabalhamos são de Barcelos, mas também a própria relação da cidade com o festival. No primeiro ano era um festival que acontecia junto ao rio e agora é um dos pontos altos do ano, na cidade, e isso é reconfortante de ouvir. Havendo esta relação de simbiose entre o festival e a cidade – porque o festival acontece dentro da cidade, e obviamente é um “choque” para uma cidade pacata como Barcelos – mas pesando os prós e os contras, acabamos por sentir que as pessoas, os comerciantes, a Câmara Municipal, estão muito despertas para a importância que o festival tem em Barcelos. Não vejo razão nem nos passou pela cabeça mudar a localização.
Passemos para a música. E comecemos precisamente por Barcelos, todos os anos o Milhões de Festa apresenta várias bandas locais. Que bandas têm este ano?
Isso também é um dos pontos que nos orgulha de estar numa cidade como Barcelos, todos os anos apresentamos bandas locais ao público. E nunca é pela razão de serem de Barcelos, é porque têm verdadeiramente algo a acrescentar, e este ano apresentamos os Ratere e os Tresor & Bosxh. Os Ratere, um quinteto sónico de rock instrumental e os Tresor & Bosxh mais numa onda electrónica e muito cósmica e um kraut electrónico. E também no dia zero, regressamos com o Ensemble Insano, um grupo com 20 músicos de várias gerações, de Barcelos, que tem sido uma experiência bastante curiosa de organizar, como consegue juntar no mesmo palco 20 músicos de gerações e com expectativas e aspirações diferentes, todos em redor duma ideia, de celebrar um festival e a vida dum festival dentro duma cidade, isso é algo que será um dos pontos altos do festival.
Em relação à programação internacional, que junta nomes históricos e outros mais recentes, que toda a gente quer ver – como os Deerhoof ou Peaking Lights – como é que partiram para esta programação?
Esses nomes, também o Michael Rother entre outros, são bandas que estão na nossa génese ou que temos ouvido nos últimos anos, e faz sentido traçar um retrato do que é que é a história de certos tipos de música. Eu olho e vejo que, no caso do krautrock, criámos uma linha e uma história que começa no Michael Rother, passa pelos Antthroprophh e acaba nos Cosmic Dead. E muitas vezes o Milhões faz-se dessas pequenas histórias que vamos contando e de repente também temos a presença do electro-chaabi – que é uma música muito vibrante do Norte de África – com um dos maiores representantes dessa música, o Islam Chipsy, e ao mesmo tempo temos os Cairo Liberation Front, que são os embaixdores do electro-chaabi na Europa. E o Milhões acaba por ser, mais uma vez, esse contar de pequenas histórias, com que vamos construíndo o festival, e muita da lógica da programação faz essa parte, de narrar alguma coisa, sempre sem a concluir, ou sempre na expectativa, ou sempre com a vontade de colocar tudo em questão e abrir as portas à edição do ano seguinte.
Este ano, tanto a piscina como o palco Taina estão com uma programação um pouco mais forte, houve uma atenção especial a estes espaços?
Sim. Essa relação da piscina com o Taina é outra das tais histórias de que falava há pouco, e de que forma é que os dois únicos palcos que estão em conflito entre si se podem relacionar, e a piscina, optámos por uma linhagem mais electrónica e tropical, contrapondo com o Taina que faz um caminho que vai desde o garage rock, com uma lenda do grindcore, os Hemdale, e também uma série de músicos brasileiros, para além de uma série de bandas portuguesas que também nos dizem bastante. Estes dois palcos, apesar de estarem a acontecer ao mesmo tempo, têm de ter uma relação bastante íntima entre si, e obviamente esse também é um dos grandes desafios, de não colocar todas as bandas mais interessantes à noite, porque a tarde é um dos momentos altos de todo o festival.
Só para terminar, e para quem não conhece ou nunca foi ao Milhões de Festa, ou que não conhece a maior parte das bandas, como é que descreves – numa frase – o festival e o que as pessoas vão encontrar?
Eu acho que qualquer pessoa que tenha alguma curiosidade ou goste de ser surpreendido, o Milhões é o festival indicado. Porque é esse o elemento que mais nos importa, essa possibilidade de ser surpreendido. O mais bonito que eu encontrei nos concertos a que fui ao longo da vida foi esse factor surpresa. E é isso que quero, e espero, conseguir fazer sentir isso às pessoas. Acho que falo por muita gente quando digo que não há melhor coisa do que ser surpreendido positivamente.
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Os bilhetes para o festival custam 70€ e estão à venda aqui. O cartaz, por dias, é o seguinte:
23 Julho
Happy Meals, Riding Pânico, Live Low, Corona na Casa, Cave Story, Ekco Deck, Anthony Chalmers (Baba Yaga’s Hut), Raw Decimating Brutality, Lodge, TAO, Ensemble Insano, DJs da Casa
24 Julho
Deerhoof, THEESatisfaction, All We Are, PERC Live, Tijuana Panthers, Matias Aguayo, The Cosmic Dead, Hemdale, Golden Teacher, HHY & the Macumbas, Al Doum & The Faryds, Solution, Hitchpop, Noz, Yong Yong, O Gringo Sou Eu, Tocha Pestana, Tresor & Bosxh, Toulouse
25 Julho
Michael Rother plays NEU! & Harmonia & solo works, Peaking Lights, Islam Chipsy, Chancha Via Circuito, Hey Colossus, Grumbling Fur, The Holydrug Couple, Drunk in Hell, Anthroprophh, Tiago, Basic House, Éme, LAmA, Ratere, The Sunflowers, Go!Zilla, Concorrência, MMMOOONNNOOO, Salvador & Las Putas, Suomo
26 Julho
Goblin, The Bug (feat Flowdan & Manga), Al Lover, Branko, Cairo Liberation Front, Meridian Brothers, The Paradise Bangkok Molam International Band, Gum Takes Tooth, dreamweapon, MEDEIROS/LUCAS, Pista, Chris Menist + Maft Sai, Plus Ultra, La Flama Blanca, Test, D.E.R., Wanderer, Milteto, Vive Les Cones, Asfalto, Bezbog, Batsaykhantüül
