(B) Fachada é um dos mais prolíficos músicos portugueses: entre 2008 e 2012, lançou um total de oito discos e 5 EP’s. O intenso ritmo de trabalho nesse período de meros quatro anos culminou com O Fim, lançado em 2012, que interrompia essa produção contínua a que nos habituara. Com o regresso este ano, em disco homónimo, (B) Fachada volta a ser um dos grandes destaques da música nacional. O festival Fusing Culture Experience foi o palco desta entrevista, onde se abordaram temas tão distintos como o seu mais recente álbum, a sua visão sobre o meio em que se move e a evolução da sua carreira artística.
Altamont: Podemos começar? Não te preocupes que não vamos perguntar se agora te chamas Fachada ou B Fachada.
Fachada: Ok, ok. (Risos)
Como correu a sabática? Deu-te mais tempo para outras coisas?
Sim, sim! Foi por isso que eu lhe chamei sabática, e não ano de férias. O meu pai é professor universitário, portanto eu convivi com esse conceito de parar um ano para estudar ainda mais. Foi um misto de férias – pelo menos férias da pressão, de ter que editar, de ter que sair de casa (que é chato, fica a família, um gajo sai de casa, passa uma noite fora, ou duas ou três) – e por outro lado voltei a ter tempo para pegar nuns livros, que já tinha pousado há muito tempo. Na verdade voltei a conectar-me com as minhas escolas, voltei a ligar-me com o Zeca – porque voltei a ouvir tudo outra vez com outros ouvidos, e depois de já ter passado por outras coisas, portanto acabei por me ligar áquilo de outra maneira – voltei a ligar-me ao Aquilino (Ribeiro), voltei a ligar-me ao Camilo (Castelo Branco). Fui ao reencontro de todas essas coisas. Eu também sou um péssimo consumidor de cultura, e então estou sempre assim de roda das mesmas coisas, tipo coisas assim mais antigas, principalmente em relação aos livros é uma pancada, não consigo ler livros recentes.
Tens conseguido aperceber-te do que as pessoas acharam do teu disco?
Mais ou menos, sim. A percepção principal, o que me interessa mais e aquilo em que gasto mais energia é o feedback dos concertos, principalmente em concertos pequenos e palpáveis, é muito importante para finalizar as canções. Também já tenho alguma prática de estar em palco e quando se consegue criar uma empatia com o público fica-se muito sensível a ver aquela parte da música em que saiu mais gente para ir buscar bebidas: tu sabes que aquilo está a durar tempo demais, não está bem fechado e há ali uma pontinha solta. Vais para casa e mexes naquilo. Mas são tudo coisas muito práticas e, ao mesmo tempo, intuitivas, de tu conseguires intuir em cima do palco. Estás de frente para o público, o público está-te a ver a ti, mas não se sabe quem é que está a ver quem (risos), porque eu também os estou a ver a eles, e eles estão num sítio diferente do meu. A relação acaba por ser recíproca, porque eu consigo ver perfeitamente quando é que estão a perceber a letra, quando não estão, quando se está a ouvir bem a voz e quando não está, consigo perceber isso pela maneira como as pessoas estão ligadas ao concerto, e isso acaba por ter muita importância do ponto de vista prático, para… pá, para finalizar as coisas, concluí-las.
Neste disco, usas samples. Qual foi o objectivo em ires buscar músicas antigas para as relacionares com a tua música hoje?
Os samples serviram como desbloqueador das canções, e um bocado como embrulhar esse ano… as canções só começaram a ser feitas este ano, as que fiz no ano passado ficaram no ano passado. O que acontece em 2013 fica em 2013.
Achas que a música portuguesa está a viver um período fértil?
Talvez, talvez. Depende um bocado daquilo que se considera a fertilidade. Ainda é um jardim pequenino, ainda não se descentralizou. Continua a ter poucas línguas, poucas pronúncias… muita gente a cantar na língua escrita, em vez de cantarem na língua oral… Muita gente distraída. (Pausa) Acaba por haver sempre dois lados… de qualquer actividade, na verdade. Pá, mas a vontade, o impulso de fazer música não pode partir da indústria. Já havia música antes de haver indústria. Não pode partir da vontade de correres os palcos, porque o que é que fazes se acabarem os palcos? Deixa de haver música? Não deixa. É o mesmo que estarmos dependentes dos CD’s. Deixa de haver CD’s, deixa de haver música? Não.
Consegues identificar-te com algum músico português do teu tempo, por alguma razão (não necessariamente a mais óbvia)?
Eu identifiquei-me muito, nestes últimos anos, com as bandas da Cafetra, as Pega Monstro e o Éme. Ficaram todos meus amigos, e acaba por haver… é muito mais fácil aprenderes com um amigo do que aprenderes com um estranho. É muito mais fácil aprenderes com um disco de um amigo, que sabes como é que está feito (mesmo que não saibas coisas concretas, sabes coisas abstractas, sabes a atitude dele e conheces a língua que ele fala, podes comparar a língua que ele fala com a língua que ele canta) e acabas por aprender mais do que a ouvir um disco do Tom Waits cinquenta vezes – e eu adoro o Tom Waits – sem conseguir falar com ele, sem perguntar qualquer coisinha. Mesmo a minha relação com o Zeca continua a ser sempre no meio dessa frustração, que é haver três ou quatro perguntas que podiam mudar tudo se as pudesses fazer, porque a cultura – e a música, principalmente – tem um lado de tradição oral. Não dá para cristalizar tudo.
Porquê a música como forma principal de te expressares artisticamente? Tendo em conta a influência da literatura, que já falámos.
Sim, mas foi na música que se encontraram as minhas melhores capacidades. (Risos) Não sei é se foi suficiente. (Risos)
E o que é que achas que mudou no Fachada que cantava a senhora Filomena, para o Fachada agora deste disco?
O público, é o que eu acho que mudou. (Pausa) Claro, opá, mudam questões práticas. Esse foi o meu primeiro disco de estúdio, e a cada disco de estúdio vamos mexendo em mais máquinas, vamos mais fundo, fazemos mais experiências. Mas da minha perspectiva o que muda mesmo é o outro. Sinto que fui sempre o mesmo gajo e quando não havia ninguém para me ouvir isso criava tensão. E agora não, agora criei empatia. Mas a atitude é a mesma.
Achas que a música pode originar mudanças sociais ou culturais? Pensas nisso quando escreves canções, ou é só “música pela música”?
A música, e isto não fui eu que inventei, o Zeca dizia isto, deve ter uma influência musical, e não uma influência política. A política deve ter uma influência política, a música deve ter uma influência musical. Isso para mim o que significa é que devia haver mais música. A música deve contribuir para haver mais música. Uma pessoa deve contribuir para abrir portas – de estilo, de género, da língua, da mecânica, da indústria, de como se vende e compra, e ajudar a que toda a gente faça a sua música. Isso é que seria o mundo ideal, em que cada um tinha uma canção, como se diz que toda a gente tem um poema.
Dizes que na música gostas do que é efémero. Não temes que as pessoas rotulem a tua música de perecível, datada?
Mas eu acho a minha música sempre datada. Isso é que faz o mapa para a frente. Faço o mapa para trás e desenho o mapa para a frente. Há muitas coisas que eu canto com nostalgia, apesar de terem sido feitas há pouco tempo (risos).
Planeias voltar a usar samples no próximo disco?
Não, não planeio voltar a usar samples no próximo disco.
Entrevista de Gonçalo Correia e Alexandre Malhado
Fotos de Alexandre Malhado