Mantendo-nos fiéis à ideia do «mantêm-te perto daquilo que te faz bem», fomos conversar com o António Costa e o Bernardo Barbosa, a dupla bracarense mais conhecida por Ermo. Com o seu primeiro álbum de originais ainda fresco na memória (e nos ouvidos), e com um novo EP a bater à porta, ficámos a perceber melhor o que podemos esperar de Amor x 4. As peripécias da tour europeia foram só a cereja no topo do bolo. De assaltos no dia de Natal a prostitutas e idosos, passando por uma discussão sobre o que é o EP no seu sentido categórico, tivemos de tudo. Boas leituras.
Ah, António e Bernardo… o Altamont também vos acha «altamente», obrigado!
Altamont: Lançaram há relativamente pouco tempo uma versão vossa da «Ronda das Mafarricas», do Zeca Afonso. Isso está ligado, de alguma forma, a algum projeto novo para o futuro ou simplesmente apeteceu-vos fazer essa homenagem?
António Costa: Isso foi a convite da Antena 1. Eles pediram-nos para fazer um cover a um tema qualquer da altura do 25 de Abril, por causa do 40.º aniversário da Revolução. A princípio tínhamos escolhido a «De Não Saber o Que Me Espera», também do Zeca, mas outro grupo já a tinha escolhido. Acabámos por ir parar à «Ronda das Mafarricas», que se revelou um tema muito interessante, havia muito espaço para podermos «mexer» com a música, e a ideia foi pô-la a soar a Ermo e não a Zeca.
Na onda das faixas «remixadas», fizeram outra com o Gobi Bear. Sendo ele um artista mais virado para um folk mais calmo, introspectivo, e vocês mais explosivos e inorgânicos, como foi juntar os dois mundos?
Bernardo: Não foi difícil, mas o mais interessante de tudo isso acho que foi o facto de termos voltado a trabalhar com os métodos de produção que tínhamos no início de Ermo, nas nossas primeiras músicas que devem estar perdidas por aí algures… eu devo ser o único que ainda as tem guardadas… Mas a ideia surgiu entre nós e o Gobi Bear numa altura em que não estávamos perfeitamente «localizados» para discutir este género de assuntos, mas resultou bem, a ideia foi em frente e ficámos muito contentes com o resultado final. Gostamos de fazer remixes: não há muito tempo também, fizemos um remix de uma banda chamada Holocausto Canibal, uma banda radicalmente diferente da nossa.
A: E radicalmente diferente do Gobi Bear, também. [risos]
B: Sim, os Holocausto, num sentido figurativo, seriam algo tipo um predador e o Gobi Bear a presa [risos]. Mas acho interessante ver uma banda [Ermo] que, apesar de estar assente na eletrónica, aventurar-se por outros géneros, outros mundos. Gostamos de ser versáteis e estes remixes acabam por ser uma forma de demonstrarmos isso mesmo.
Tem-se falado também do vosso novo trabalho, ainda por sair, Amor x 4. A princípio era para ser EP, mas já se ouviu dizer que existe a probabilidade de passar para álbum completo. É mesmo assim?
A: Não, não… vai continuar a ser um EP. Nós já temos a concetualidade toda assente. Parece que, quando abordamos um trabalho por uma vertente mais conceptual, sai sempre um EP primeiro, mas a ideia é que o Amor x 4 seja uma espécie de epílogo para o álbum que se seguirá. A verdade é que as músicas que vamos compilar no Amor x 4 , que serão, logicamente, quatro, já tinham sido escritas de antemão. Três delas, para ser exato. Outra foi feita de propósito, a que leva o nome do próprio EP. Sendo músicas que já tínhamos de antemão, são coisas que nós já não damos protagonismo: a ideia que temos é que os EPs são desabafos e os LPs são obras. Acho que vai ser um prefácio interessante para o próximo álbum.
B: É também uma expiação daquilo que tínhamos já feito e deixado por lançar. Não queríamos que ficasse perdido. Muitas vezes essas músicas desaparecem e, a meu ver, isso é triste. Acho que os EPs são, tendo em conta o paradigma da produção musical de hoje, a resposta para esse problema que é as «músicas perdidas».
E um tubo de ensaio, também?
B e A: Sim, sim, claro!
B: E o Amor x 4, não sendo um álbum, não sendo uma obra, como diz o António, e apesar de não lhe termos dado toda a entrega e trabalho minucioso que daríamos a um álbum (afinal a maior parte das músicas já estavam feitas), fiquei, aliás, acho que posso falar pelos dois, ficámos, muito contentes com o seu resultado final.
Sim, se formos ouvir bem, a diferença entre o vosso primeiro EP e o álbum que se seguiu é radicalmente diferente. Isso foi propositado ou simplesmente aconteceu?
A: Exatamente, a ideia é exatamente essa. No outro dia estava a pensar numa pergunta que nos costumam fazer muitas vezes nas entrevistas (como definimos os Ermo) e nunca sabemos o que dizer. Arranjamos uma desculpa qualquer «à intelectual» [risos] só para não ficarmos calados. Do que me vou apercebendo é que a melhor forma para caracterizar Ermo é dizer que fazemos música versátil. A verdade é que a nossa ideia sempre foi mudar de disco para disco, pelo menos até hoje. Todos os álbuns que fizéssemos seriam sempre diferentes do anterior, um género diferente. Fundar um género, que era basicamente isso que queríamos fazer, e depois cagar nele e fundar outro.
B: Até é estranho, às vezes, bandas sentirem-se culpadas por estarem a fazer algo que vai chocar de frente com aquilo que é o seu registo, supostamente, base. Nós é ao contrário: sentimo-nos culpados porque, por exemplo, temos faixas neste novo EP que irá sair que são reminiscentes daquilo que fizemos no Vem por Aqui.
A: Porque, se nos aborrece a nós fazer a música, eventualmente também irá aborrecer que a for ouvir…
Não passou também muito tempo desta a vossa primeira tour europeia. Como vos receberam lá fora?
A: Eish… Há imensas respostas possíveis a essa pergunta! [risos]
B: Acho que é mais fácil explicar com esta analogia: a tour durou 12 dias, mas esses 12 dias, em termos de complexidade e de experiências, ocuparam quase o tempo de uma vida [risos]. Houve de tudo: momentos felizes, momentos tristes, festejos épicos, aborrecimentos totais, coincidências estranhas e monotonia completa… tudo isso foi compilado nesses 12 dias. Foi desde os melhores concertos que já demos aos piores concertos que já demos.
A: Acho que quase dá para fazer uma lista de algumas dessas aventuras: fui assaltado no dia anterior a ir para Madrid. Ou seja, que dia era esse? Dia 25 de dezembro! [risos] Assaltam-me no dia de Natal. Roubaram-me o PC. Que PC era esse? O que usamos para tocar ao vivo! [risos] Resumindo, na noite de Natal temos de comprar um PC para podermos tocar no dia seguinte e no resto da tour. Nisto tinham-me roubado também o telemóvel: tive de comprar um telemóvel novo, telemóvel esse que parti ao chegar dois dias depois! [risos] Estava «pouco localizado», como disse o Bernardo há bocado, acabei por abrir o telemóvel todo e partiu-se.
B: Mas pelo menos teve imensa piada.
A: O Bernardo apanhou uma infeção nos olhos em Bristol.
B: Terrível infeção nos olhos!
A: Estava sempre a deitar pus! [risos] Depois, já em França, tivemos um concerto em que o nosso único espectador era uma prostituta. Só uma prostituta, mais ninguém. Não estou a brincar! [risos] Depois apareceu um velhote que se chegou ao pé dela, e começaram a dançar, e ele a apalpar-lhe o rabo… eu cheguei a desmanchar-me a rir durante no meio do palco. [risos] Mas houve coisas boas, também! Um dos concertos foi num bar que era numas catacumbas medievais. Aquilo estava pejado de miúdos de 15 / 17 anos e, modéstia à parte, demos um concerto do caralho. Vendemos mais CDs nessa noite do que sequer imaginámos vender na tour inteira.
B: Acho que, se pensarmos bem, foi das experiências mais incríveis da nossa vida, quer artística, quer pessoal.
Vocês, apesar da ainda muito jovem carreira musical, já alcançaram um grupo de fãs fiéis, que, seja no Norte ou no Sul, acabam por estar sempre presentes, desde o início, praticamente. Como é saber que aquilo que vocês fazem com tanto empenho e dedicação é tão bem acarinhado por pessoas que, talvez, se não fosse pela vossa música, nunca teriam qualquer ligação convosco?
B: Como o António disse, nós gostamos de ser versáteis, e ser versátil também é sinónimo de evolutivo. Ou seja, Ermo é uma evolução: de álbum para álbum, de EP para EP. Saber que existem pessoas a apoiar-nos desde os pontos mais retrógrados dessa cadeia evolutiva é incrível, arrisco a dizer que é aquilo que nos dá força. Sabemos que não estamos ainda no ponto a que as nossas capacidades correspondem e que a nossa ambição almeja, mas olhar para as pessoas que gostam da nossa música, genuinamente, apesar de estarmos ainda nesta altura de formação, é o que de mais positivo podemos receber.
Bem, por agora é tudo. Querem acrescentar mais alguma coisa?
A: Adoro o Altamont.
B: Ya, gostamos muito do Altamont.
A: Diria mesmo que é «altamente». [risos]
Fotos: Francisco Fidalgo