Preparem os vossos ouvidos – a Pataca Discos acaba de disparar mais um tiro certeiro. How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge dá-nos a conhecer a essência de Bruno Pernadas, cuja guitarra já ouvimos em Julie and the Carjackers, When We Left Paris ou Real Combo Lisbonense. Este disco é uma peça rara no panorama actual, como igualmente raro é o autor destas canções que iluminam enquanto buscamos o conhecimento. A viagem é exótica e apaixonante.
Altamont: Para começar, queria que contasses a tua história e o caminho que nos traz a 2014 com o teu primeiro disco a solo.
Bruno Pernadas: Comecei a estudar música aos 13 anos e na altura estudava guitarra clássica, portanto peças clássicas. Ao mesmo tempo, cresci com aquela música toda dos anos 90, da Bélgica e dos Estados Unidos. Depois fiz o curso do Hot Clube, fiz um outro curso durante o Hot, de ATC (técnicas de composição, coisas mais clássicas) e depois licenciei-me em música na Escola Superior de Música de Lisboa… e é isto, muito resumidamente é este o meu percurso.
Pelo meio vieram as bandas e agora o teu primeiro disco a solo. Quando é que decidiste que querias fazer um disco em nome próprio?
Bom eu já tinha feito um disco em nome próprio em 2008 com um ensemble de 6 ou 7 pessoas, com piano, violino, clarinete, guitarra, baixo, bateria e violoncelo. O disco está gravado, só que eu não gostei muito do som final, não achei que tivesse nível para ser um disco – e portanto esse foi o meu primeiro disco a solo, só que nunca foi editado, nem nunca vai ser (quer dizer, no meu site tenho 3 músicas para ouvir, mas não estão misturadas). Mas sim, este pode considerar-se o meu primeiro disco, propriamente dito.
E já tinhas ideias na gaveta ou quiseste construir tudo de raíz?
Eu tinha muitas músicas já compostas, em pastas no computador ou em pautas. Eram mesmo muitas e eu quis gravar algumas e foi isso que fiz – escolhi, não as que mais gostava, mas as que estavam prontas para trabalhar, as que seriam mais fáceis de tocar para as ideias surgirem. Mas é tudo muito natural, abria uma pasta e “ah vou ver esta, vou ver aquela” e foi assim. Podiam ter sido outras 10, porque estão lá montes delas. Aquelas em que as ideias demoram muito a aparecer eu meto logo de lado, não fico ali às voltas.
E como nascem essas músicas? Pegas na guitarra e improvisas ou escreves numa pauta?
Pois isso varia. Há músicas que surgem de uma ideia, só uma ideia, não precisa de ser com um instrumento – e eu ponho essa ideia na prática, com que tiver à mão. Se estiver em casa prefiro sempre gravar para ouvir logo. Se não puder gravar escrevo numa pauta, mas depois tenho sempre de gravar, porque sou muito caótico a escrever – meto muitos símbolos, escrevo tudo gatafunhado. Se pego numa coisa vários meses depois, às vezes fico sem perceber o que é que queria dizer com aquelas setas e tal. Portanto, é isto, as ideias surgem, depois trabalho-as através de vários processos.
Sendo este o teu primeiro disco a solo, quais foram as principais diferenças que sentiste em relação a fazer um disco com banda?
Quando se faz um disco com um grupo a decisão é partilhada e discutida com as outras pessoas. No meu caso, em Julie and the Carjackers, eu e o Joca [João Correia, Tape Junk] chegamos às conclusões os dois em conjunto, experimentamos, vemos se fica bem. Quando se está sozinho é mais difícil ser mais incisivo nessa decisão, porque uma pessoa ouve muitas vezes a mesma coisa… embora eu não tenha normalmente muitas dúvidas com aquilo que quero, às vezes demoro um bocado a chegar ao som que pretendo, ao som propriamente dito, não é as notas, é o som. Às vezes eu imagino um som mas não o consigo sequer descrever. Acho que a principal diferença é essa, nos grupos tem-se a oportunidade de discutir e chegar a outras conclusões. Embora o Joca, quando lá estava na gravação do disco a tocar bateria, eu perguntava-lhe a opinião e houve coisas em que tive muito em conta a opinião dele, e das outras pessoas que estavam lá a trabalhar durante o processo.
Para a construção deste disco – quiseste reunir e resumir as tuas influências ou quiseste criar uma coisa totalmente nova?
Tem mais a vez com essa segunda opção. A verdade é que eu não escolho aquilo que vai acontecer. Quando eu estou a trabalhar uma ideia, aquilo que a música pede é o que eu faço. E acontece esta mistura que é tão surpreendente para mim como é para as outras pessoas, porque eu não sabia que isto ia sair assim. Não sabia, por exemplo, que o tema “Ahhhh” ia ter aqueles versos e depois ia entrar numa cena meio afro.. eu próprio não sabia, quando estava a fazer é que reparei. Acontecem sempre coisas estranhas que eu não sabia que iam acontecer, com aqueles sons. Mas pronto, isso é porque eu ouço muita música e isso está lá de alguma forma recalcado, no bom sentido.
E este disco tem imensas camadas, parecem recortes e colagens. Isso foi pensado, para tornar o som mais cheio?
Não. O que estava mais ou menos pensado era as músicas estarem ligadas umas com as outras, não haver grande interrupção de uma para outra, fazendo uso da tonalidade anterior para continuar até ao final do disco. Mas isso das camadas não estava pensado. Eu depois reparei que de facto ficou assim com algumas camadas.. eu acho que isso se nota mais porque muitos dos sons são samples que eu fiz e quando se dispara um sample nota-se mais do que se fosse um instrumento a tocar.
Quanto ao título do álbum – How Can We be Joyful in a World Full of Knowledge…
Prefiro não explicar, deixar ao critério de cada um. O que posso dizer, e não querendo criar aqui um mistério, é que eu acho que li, ou sonhei que li, essa frase numa entrevista e fez muito sentido para mim.
E a música responde à pergunta que fazes no título?
Não, não. Eu só instalo o ambiente sonoro para responder à pergunta.
Tu tocaste vários instrumentos mas também pediste ajuda?
As pessoas que entram no disco são o João Correia que tocou bateria, a Margarida Campelo, a Francisca Cortesão e o Afonso Cabral cantaram, o Sérgio Costa tocou flauta, o Ricardo Ribeiro tocou clarinete e o Zé Maria Pereira tocou saxofones. Portanto, convidei os sopros, baterias e vozes – o resto toquei eu, as guitarras, teclados, sintetizadores, vibrafone, baixo.
Muitas destas músicas têm pouca letra – nalguns casos são algumas frases repetidas e a voz aparece menos frequentemente que o resto..
Calhou ser assim. Eu não costumo, tirando em Julie, fazer música para voz, faço mais música instrumental. Algumas melodias que eu prefiro ouvir cantadas, mas não bem cantadas, tem de ser desta forma meio ambígua. No jazz é outra coisa, mas neste contexto de música estranha não gosto de voz muito afinada.
Falaste aí em música “estranha”…
No sentido geral da música ocidental. Não que seja difícil de ouvir, não é isso que digo, só que é estranha porque não respeita a forma, os cânones da música pop normal – verso/refrão/verso/refrão – mas para mim é uma coisa que se foi tornando natural, fazer dessa forma não linear.
Será este o primeiro de vários discos a solo?
Bom, eu nesta altura já tenho mais um disco de When We Left Paris, que já é de 2011, mas ainda não arranjei maneira de o gravar. Além disto, tenho material para fazer outro disco deste género, mais ou menos o mesmo som. Este álbum já estava pronto em Março de 2013, e tive muito tempo, já passaram quase 2 anos desde que foi feito. Podia ter outro, dentro desta linhagem, ainda este ano. Podia…
Como vai ser o concerto de apresentação no Maria Matos?
As músicas foram reestruturadas e vão estar diferentes, vai haver mais improvisação, mas partindo sempre das músicas originais para a nova construção. Vamos tocar com sopros – no disco só aparecem em 3 músicas – mas achei que não fazia sentido irem ao palco para tocar só essas, eles vão estar em quase todas as músicas, então quase todas vão ter novos arranjos. Vai ser um concerto intenso – vai ser música sem interrupção e é sempre a subir a parada a nível de som, vai haver muito som. Não dá para ir para lá à espera de ouvir só guitarra e voz e canção, não – vai ser bujarda de som. Vai ser com 11 músicos e..”there will be blood”.
Além deste, não tens planos para outros concertos?
Não. Isto não dá para fazer com muito menos gente, é difícil. Mas eu não fiz isto a pensar para ser tocado ao vivo, portanto se tocar uma vez já é bom. Se surgirem outras hipóteses… Eu nunca vou fazer showcases com 4 pessoas e tal, isso nunca vai acontecer.
(Fotos: Vera Marmelo)