Um EP de base acústica que nasceu quase por acaso e se tornou um dos melhores discos do grunge.
No final do Verão de 1993, os Alice in Chains estavam esgotados e algo sem rumo. O que não deixa de ser estranho: afinal, estavam acabadinhos de sair de uma grande digressão Lollapalooza para promover o disco, Dirt, de 1992 que os cimentara como figuras de primeira divisão do rock americano. Esses eram os anos férteis para o que acabaria por ficar consagrado como os big four do grunge de Seattle: Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains.
Apesar desse momento alto em termos de sucesso, a banda enfrentava problemas. Após a digressão, o baixista fundador Mike Starr (e co-autor de algumas das primeiras músicas do grupo) foi expulso, devido ao abuso de drogas, que o tornava pouco ou nada fiável em algumas situações. Para o seu lugar entrou Mike Inez, baixista da banda de Ozzy Osbourne, que andara na mesma tour Lollapalooza.
Além desta mudança, ao regressar a Seattle a banda apercebeu-se que ninguém tinha pago a renda da casa que partilhavam, pelo que não tinham sítio para ficar. Por coincidência, o produtor Toby Wright já tinha, a pedido de Jerry Cantrell – guitarrista, compositor, por vezes vocalista e o principal mentor dos Alice in Chains – marcado dez dias no London Bridge Studio, em Seattle. Este tornou-se a sua casa para os dias seguintes.
O que é curioso é que não havia grande plano para gravar o que viria a ser Jar of Flies, um EP que ficou na história da banda. O plano era simples: iam simplesmente tocar em modo jam, para descontrair e ver que ideias apareciam, tal como tinham feito dois anos antes, quando haviam gravado o EP acústico SAP após a digressão do disco de estreia, Facelift, de 1990.
Essas jams serviriam também outro propósito, assumido pelo baterista Sean Kinney: queriam testar o novo baixista no ambiente de estúdio.
A raiz acústica acabou por surgir quase de forma natural. Os rapazes estavam cansados da estrada e de tocarem todas as noites com decibéis a níveis proibitivos. A atmosfera familiar de estarem de novo em Seattle e a dormirem no mesmo sítio puxou por esse lado mais calmo e mais doméstico.
O único problema é que tinham dez dias de estúdio e nada composto para gravar. Agarraram em ideias soltas que Cantrell ia colecionando em digressão e embarcaram sobretudo por jams sem grandes regras, e foi assim que nasceram as canções de Jar of Flies. Acabada a música, ou perto disso, o vocalista Layne Staley fazia as letras praticamente na hora (e são algumas das melhores da sua vida) e, depois, toca a gravar (numa mesa Neve e de forma totalmente analógica, sendo o Pro Tools expressamente proibido por Staley, nessas sessões).
Sete dias depois, o EP estava feito, em cima de sessões diárias de trabalho de um mínimo de 14 horas.
O resultado são sete canções inéditas, 31 minutos de música e alguns dos temas mais marcantes dos Alice in Chains. Desde já se diga que este – conhecido como um disco “acústico” – está longe de ser folky ou de ser puramente acústico. Os alicerces são-no, mas em cima os rapazes colocaram todo o seu arsenal eléctrico, com extremo equilíbrio e bom gosto.
As primeiras quatro músicas, aliás, são puro ouro. O arranque não podia ser melhor, com “Rotten Apple”, uma balada lenta e negra que tira o melhor de todos os membros da banda. Segue-se a espantosa “Nutshell”, linda, austera e que conta com uma letra que mostra Staley em estado puro de exposição dos seus demónios. A sua beleza aterradora torna-a uma das músicas favoritas dos fãs e foi mesmo escolhida para abrir o MTV Unplugged que o grupo gravaria algum tempo depois. “I Stay Away” foge do registo mais lento e retorna os Alice in Chains a terreno mais familiar, ainda que com uma estrutura básica acústica. “No Excuses” – que também figurou no MTV Unplugged logo na primeira parte – é uma bela canção rock, puxando por um refrão viciante (e foi o primeiro single).
Terminada esta sequência de ases, segue-se “Whale & Wasp”, uma peça totalmente instrumental bastante atípica nos Alice in Chains, contando com uma base acústica, discretos sintetizadores de fundo e a guitarra planante e cortante de Cantrell. Bonita, num sentido algo assombrado, mas que talvez seja demasiado “limpinha”.
Antes de fechar, outra grande malha ao nível das primeiras, a deslumbrante balada “Don’t Follow”, com direito a harmónica e a um segundo arranque, já perto do final, que eleva a canção a um nível absurdo. Poucas vezes estes tipos estiveram mais inspirados ou mais direitos ao coração.
A fechar, o joker que quase estragava tudo. “Swing on this”, com a sua batida jazzística, é a prova de que os Alice in Chains são uma das melhores bandas rock dos últimos largos anos, mas não têm swing nem funk em qualquer osso do seu corpo.
Os rapazes ficaram contentes com o resultado, mas não tinham grande plano sobre o que fazer com o material, que poderia servir para o álbum seguinte, por exemplo. Mas a editora ouviu e percebeu o ouro que ali estava. Jar of Flies é editado em Janeiro de 1994, sendo recebido pelo público e pela crítica com uma ovação de pé. Tornou-se, aliás, o primeiro EP da história a entrar diretamente para o primeiro lugar da tabela de vendas da Billboard.
Agora que passam 30 anos desde a sua edição – e com uma reedição de luxo nas lojas -, a reputação de Jar of Flies está perfeitamente cimentada como um dos grandes trabalhos do grupo. Na nossa modesta opinião, completa com o inultrapassável Dirt as duas faces da melhor moeda dos Alice in Chains. Poder e sensibilidade, beleza e ruído, ataque e vulnerabilidade. Sempre em cima de enormes canções.