É tão fácil perder as palavras quando decido falar sobre o Aesop Rock. Sinto-me assoberbada quando sou confrontada com um artista que faz uso das palavras de forma tão exímia. Quase me caem em cima todos os manuais de Linguística que consultei e sonho que afinal tenho que fazer a cadeira de Linguística Inglesa que tão graciosamente tombou quando Bolonha se instalou.
Se o rap fosse um jogo, Aesop Rock jogava em legendary mode todos os dias da semana. Não é novidade que a linguagem usada pelo rapper é da mais complexa que vão encontrar. E ainda que isto por si só não seja prova de absolutamente nada, o resultado final do combo entre palavra e música no novo The Impossible Kid (e igualmente nos anteriores) é de extrema recompensa para os nossos ouvidos.
Numa altura em que as edições discográficas são alvo de estratégias de marketing rebuscadas e mais ou menos criativas (com o exemplo máximo a ser tudo o que envolveu o lançamento do último de Kanye West ou os Radiohead desaparecidos da internet mais recentemente – e que só resultou pela força que a marca já tem), Aesop Rock teve das abordagens mais convencionais e eficazes possíveis. Em vez de um alarido gigante (que nem faria sentido), Aesop Rock lançou uma série de curtas onde o encontramos no divã do seu desenho-animado-urso-terapeuta (entre outros amiguinhos animais) a abordar temas como a família ou a sua relação com a arte. Fomos descobrindo temas novos, como “Rings” e já se adivinhava que este álbum ia de certeza rolar em repeat.
Assim que Aesop Rock disponibilizou o streaming do disco, é claro que a sua abordagem está muito mais directa, o seu discurso mais claro, menos cifrado e mais pessoal. A chegar aos 40 anos, podíamos dizer que há um cheirinho a crise de meia idade, e no final não há nada de errado nisso, mas também há uma análise mais directa e de uma certa perspectiva mais emotiva, como são “Blood Sandwich” ou “Kirby”. A primeira, uma visão sobre os dois irmãos, na sua posição de irmão do meio, e a segunda, um tributo ao seu gato, sobre o modo como entrou na sua vida e a perspectiva particular das relações entre humanos e os nossos felinos favoritos.
Vale a pena falar também da identidade que Aesop Rock foi construindo ao longo dos anos, o seu som absolutamente característico (chamem-lhe “de autor”, se quiserem), urbano, os beats incríveis e o seu próprio tom tão distinto, tão peculiar e reconhecível. Pouco importa se as personagens das suas histórias são mais ou menos reais, como na delirante “Lotta Years” – as palavras dão-nos imagens instantâneas. E se a principal característica de que nos lembramos sempre é a sua expertise com as palavras, há também que dar crédito à sua posição como produtor, a entregar-nos o melhor som possível, apurado, cheio de samples que dão uma dimensão meio alienígena ao álbum (até sugerida pelo artwork).
Não se enganem, são 40 anos de vida e 20 de carreira e The Impossible Kid é o melhor que Aesop Rock nos deu até à data, e não vai ser fácil para o hip hop em 2016 pôr um álbum na rua tão sólido quanto este.