A noite de sábado foi uma espécie de consagração da carreira de A Garota Não. O ano 2023 teve uma digressão pelo país, à conta do aclamado disco 2 de Abril, um Globo de Ouro, que levou o seu nome ao público em geral, e agora a lotação esgotada numa grande sala como o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém.
Tudo foi pensado neste espetáculo. Enquanto os espectadores se acomodavam no Grande Auditório do CCB, eram recebidos por uma playlist, preparada por Cátia Mazari Oliveira (AKA A Garota Não) – “Setúbal não é só choco frito”. De facto, há muito mais na cidade estuário do Sado e A Garota Não é prova disso.
Há 4 anos, A Garota Não tinha feito a sua estreia no Pequeno Auditório do CCB. Agora era a vez de pisar o palco grande e Cátia aproveitou para partilhar, em tom de confissão, que, não sendo supersticiosa, tinha escolhido a mesma roupa de há 4 anos.
No primeiro momento do concerto, o papel principal foi entregue ao Bairro 2 de Abril, em Setúbal. Enquanto ouvíamos os Gipsy Kings, a cantora brasileira Joanna, e outros hits dos anos 90, víamos imagens do Bairro, pelo meio “A Garota” começou a narrar a história do Bairro, enquanto escrevia à máquina. As cerca de 1500 pessoas na sala fizeram silêncio absoluto, aposto que alguns até sustiveram a respiração com a história nem sempre feliz de Cátia.
O alinhamento começou com “Canção sem Final”, outros originais se seguiram até que as canções de A Garota Não foram interrompidas por uma versão de “E ela cega” dos Sitiados, ao mesmo tempo que se começa a ouvir um acordeão e Sandra Baptista entrava em palco. A artista continuou em palco para, desta vez no baixo, acompanhar Cátia Oliveira, Sérgio Mendes e Diogo Arranja numa das canções que levaria a um dos maiores aplausos da noite, “Mulher Batida”, quando a grande tela mostrou alguns nomes de mulheres assassinadas às mãos de maridos e namorados, seguindo-se um coro de aplausos em sua homenagem.
Do alinhamento fez também parte, “Irmãos de Sangue” um poema de Sérgio Godinho, musicado pela A Garota Não. Supostamente, Godinho teria sido convidado mas preferiu “ficar em casa a arrumar a gaveta das meias”. Após este último tema, Cátia afirmou que iria passar para a segunda parte do concerto, depois das canções de protesto as canções de amor, desta lista fez parte “Porque Me Olhas Assim” de Fausto, a mais bonita canção de amor, afirmou A Garota Não.
Quando Cátia saiu do palco, uma hora e meia depois do espetáculo começar, certamente alguns pensaram que o concerto estava perto do fim, no entanto a saída ensaiada seria só para ocupar o ponto mais alto do palco para dar voz ao “O Prédio Mais Alto”, canção que seria interpretada não apenas pela Garota e os seus fiéis companheiros (por esta altura já se tinha juntado também Iúri Oliveira, na percussão) mas também com um ensemble de músicos da Escola Profissional de Música de Espinho que fizeram com que esta fosse uma versão épica da canção.
E os convidados continuaram, de facto revezaram-se, e chegava Luca Argel para cantar “Países que Ninguém Invade” e um medley de música luso-brasileira de artistas que inspiraram o par. A última das canções foi “Liberdade” de Sérgio Godinho, e enquanto a sala entoava as palavras projetadas “Paz, Pão, Habitação, Saúde, Educação” uma figura surge ao fundo do palco, afinal o enorme Sérgio Godinho não tinha ficado a arrumar as meias. Este foi um dos pontos altos do espetáculo, Godinho “Pai musical” de Cátia, a partilhar com ela o palco.
De novo uma ameaça de término, cai um longo pano vermelho, mas mais canções se seguiram, após “Urgentemente”, seguiu-se um longo agradecimento aos músicos que acompanham A Garota desde o início da digressão, Sérgio e Diogo.
Francisca Camelo também pisou o palco para interpretar a canção feita sobre um poema seu, “Tantos desencontros (saber cair é uma ciência)”, a presença foi rápida até porque o concerto já passava das duas horas de duração.
Será possível dizer que mais um convidado fez parte do espetáculo, José Mário Branco, infelizmente já não o conseguiu fazer em vida mas é sempre lembrado através da “Canção para Zé Mário Branco”, a sua imagem esteve também presente nos ecrãs em palco. Não faltou a cartolina com as palavras “Liberdade, querida Liberdade/O nosso chão tem sonhos e vontade” usada no mesmo dia da roupa amuleto de Cátia, há quatro anos.
Novamente agradecimentos, individuais, a todos que trabalham com “A Garota Não”, a todos que colaboraram naquela noite, foi precisa uma folha A4 preenchida tanto era o amor a partilhar com os seus pares. Após os agradecimentos e passadas três horas o concerto chegou ao fim, a canção escolhida foi “Dilúvio”.
Como foi dito logo no início do espetáculo, mais do que um concerto foi uma noite para criar memórias e foram decerto memórias felizes. Cátia Mazari Oliveira tem um coração do seu tamanho (para quem não sabe ela é bastante alta) e acredito que não é descabido dizer que todas as suas canções andam à volta do amor, mesmo que seja uma canção de protesto ou um tema de “coração partido”, é o amor pelos outros que está no centro de tudo.
Fotografias cedidas por: Nuno Batista


Que análise tão bonita de uma noite memorável ☺️
Muito obrigado Marcela por este texto bonito