Muito agradável e mais profundo do que uma primeira audição dá a parecer, Straight Line Was a Lie é uma boa surpresa de 2025.
antípoda
an.tí.po.da ɐ̃ˈtipudɐ
nome de 2 géneros
1. habitante que, relativamente a outro, se encontra num lugar diametralmente oposto do planeta
2. figurado contrário, oposto
Hoje trago-vos uma banda das antípodas. Para terem uma ideia do que nos separa, os Beths formaram-se em Auckland em 2014, e só agora, onze anos e quatro discos depois, chegaram aos meus ouvidos, provando que a distância entre dois pontos nem sempre se pode medir em metros, a velocidade de circulação é também um factor a ter em consideração.
Juntaram-se assim, lá na terra onde há 4,5 ovelhas para cada pessoa, as seguintes pessoas para fazerem música: Elizabeth Stokes (vocalista), Jonathan Pearce (guitarrista), Benjamin Sinclair (baixista), e Tristan Deck (baterista que, na verdade, só se juntou em 2019 para substituir o fundador Ivan Luketina-Johnston). Depois de um primeiro álbum para se darem a conhecer, tiveram algum sucesso com Jump Rope Gazers (2020) e Expert in a Dying Field (2022), editados pela icónica Rough Trade. Não me pronunciarei mais além sobre os mesmos, alego desconhecimento, mas será momentâneo, uma vez que Straight Line was a Lie deu vontade de ir conhecer um pouco mais dos The Beths.
Comecemos pelo título. Straight Line Was a Lie pretende passar uma ideia que atravessa o álbum: a ilusão de progresso constante nas nossas vidas, a noção de que se melhora linearmente com o passar do tempo. O problema desta teoria é que choca de frente com a realidade, que mostra que a vida é cíclica, bué de cenas, cheia de altos e baixos, avanços que parecem retrocessos, progressos que se revelam becos sem saída e obrigam a voltar para trás. Uma das grandes mudanças geracionais que sentimos actualmente está relacionada com este tema: a potencial falta de uma linha referencial.
Aprofundando o tema sem me esticar muito, na geração anterior à minha, ou seja, gente nascida por alturas da 2ª Guerra Mundial, havia um caminho de vida bastante claro: escola, arranjar emprego para casar e sustentar família, ter filhos, ficar nesse emprego a vida toda, com uma progressão de carreira linear, comprar uma casa maior e um carro, reformar-se. Para a geração actual, esse caminho é uma mera miragem, sabem que existe, mas é apenas uma de muitas outras possibilidades de escolha, o que tem o seu lado bom, mas também um lado pernicioso que criará alguma frustração, quando não se consegue encontrar nenhum caminho que funcione para si. A linha reta e segura transformou-se em bamboleante, e faz-se como num trapézio, com recurso a equilibrismo e mil cuidados, porque muitas vezes não há rede por baixo que nos segure.
Liz Stokes pinta-nos assim o seu retrato pessoal que se encaixa um pouco nisto, já que enfrentou desafios pessoais – diagnosticada com doença de Graves, uso de antidepressivos – que alteraram a sua experiência emocional e tiveram impacto direto na sua forma de encarar a vida. Em várias músicas do disco partilha as suas incertezas, dores, falta de alegria (“No Joy”), dependência de ansiolíticos no corpo (“Metal”), necessidade de maior conexão e compreensão familiar (“Mother, Pray for Me”).
Voltando ao início, “Straight Line Was a Lie”, faixa que abre o álbum, é musicalmente vibrante, contagiante, com ganchos fortes que equilibram bem o lirismo introspectivo da letra
“I thought I was getting better / But I’m back to where I started
the straight line was a circle / the straight line was a lie”.
Straight Line Was a Lie mostra a banda neo-zelandesa em ponto de rebuçado: cheios de energia pop-indie, mas aprofundando-se em temas de identidade, saúde mental, memórias e família. Não é um álbum de respostas fáceis; é mais sobre perguntas, sobre como seguir quando se descobre que o caminho talvez não seja uma recta. As músicas equilibram melodia cativante com peso emocional – pode não ser sempre fácil de escutar, mas é sincero, articulado e bonito na sua honestidade.