Uma carta de amor à natureza com a poesia bem no centro, num dos discos mais curiosos do ano
Os LYR são um projecto completamente fora do comum. Juntam o consagrado poeta inglês Simon Armitage com o multi-instrumentista Patrick Pearson e o compositor e vocalista Richard Walters. O que marca o seu som é, naturalmente, a centralidade das palavras de Armitage, que não canta mas declama, entregando as letras e os poemas sob uma estrutura musical que embala as palavras (lembrando o magnífico exercício que os Pulp fizeram na pouco conhecida “Duck diving“).
Têm já vários discos, mas aquele que nos chamou a atenção e conquistou é deste 2024, e é ainda mais peculiar do que os trabalhos feitos até aqui. An unnatural history é um disco conceptual que celebra uma instituição há muito desaparecida: o Museu de História Nacional de Barnsley, no Yorkshire, situado na Eldon Street. Os LYR deixaram-se encantar pela história do local, da qual só restam ecos, e a sua ligação às suas pessoas e aos animais, tanto exóticos como os mais comuns, que ainda hoje habitam as ruas da localidade.
Esta é uma carta de amor imaginada a essa mesma Eldon Street, guiada pela observação dos hábitos dos seus habitantes mais peludos ou de asas ao vento. O que temos, no fim, é uma espécie de BBC vida selvagem, narrada pelas bonitas palavras de Armitage, num misto de rigor científico e entusiasmo, com um fundo musical que dá ênfase à narrativa.
Os melhores momentos são aqueles em que a voz do poeta está só com a música em fundo, deixando-nos concentrar totalmente nas palavras, que nos contam histórias de animais exóticos, que tanto estavam expostos no museu como visitavam a terra a bordo das carroças dos circos. Mas não é tudo. Armitage traz-nos também histórias – imaginadas com fundo real – das pessoas que viviam em Eldon Street, com os seus problemas e a sua fascinação pelo exótico que as resgatava de uma vida pacata. Se o registo mais minimalista de voz e fundo musical é o que funciona melhor, agrada-nos menos quando a música é mais intrusiva e surge com destaque o vocalista Richard Walters, que por vezes tem um tom irritantemente parecido com o de Bono, dos U2.
No seu melhor, An unnatural history é uma meditação sonora sobre o tempo, uma carta de amor à natureza, dos pássaros aos esquilos às flores. Um disco que coloca as histórias e as palavras no centro, e que reclama a nossa atenção ao que está a ser dito, num exercício quase involuntário de mindfulness e de paz e contemplação, num tempo em que isso está tão difícil e fora de moda.