É muito mais fácil ouvir do que escrever sobre Selected Jambient Works Vol.1. Mesmo assim, tal a magia que se sente nesse álbum, resolvemos arriscar. Se vos parecer etérea, a escrita, lembrem-se do verso de Sá-Carneiro: “É no ar que ondeia tudo! É lá que tudo existe!” Pode ser que assim faça mais sentido este texto.
Aqui há tempos, há quase um ano, e nestas mesmas páginas, escrevemos sobre o álbum Suss, da banda com o mesmo nome. O entusiasmo foi grande, mantendo-se até aos dias de hoje. A propósito desse trabalho, dissemos tratar-se de poesia em lento movimento sonoro. Mas fomos mais longe, afirmando que o que ouvíamos em Suss era country ambiental, e por isso os cowboys espaciais ao comando desses sons eram capazes de nos levar por galáxias de pura beleza, sem pressas, como se fossemos flutuando, levados por sopros de um luminoso encantamento orientado, rumo às estrelas. Ficámos tão fregueses dessa viagem, que foi inevitável a memória da primeira audição que fizemos de Suss, ao ouvirmos recentemente Selected Jambient Works Vol.1, dos também cowboys Cowboy Sadness. Vamos, então, às apresentações. São três, os galáticos pistoleiros destes sons: Peter Silberman, dos The Antlers; David Moore, dos Bing & Ruth e Nicholas Principe, do projeto Port. St. Willow.
A verdade é mais ou menos esta: entramos num túnel de som, e de lá só saímos quase uma hora depois. Durante todos os minutos percorridos, há espaço para claustrofóbicas sinfonias, mas também para vastas áreas de liberdade. Pelo meio, se estivermos atentos aos códigos sonoros que nos circundam, poderemos dançar mentalmente, tentar um ou outro passo sem quase sentirmos o peso da gravidade dos gestos, percorrendo planícies imensas de melancolia duradoura. Ou então, noutros momentos, mergulhar profundamente em ritmos lentos e insinuantes numa espécie de Fossa das Marianas sonora. É um desprendimento imenso, aquele que se sente nessa queda em câmara lenta, rodopiando, rodopiando sempre, qual Alice no primeiro instante (e nos seguintes) em que lhe faltou o chão, quando Lewis Carroll lho retirou. Vamos vagando por “Willow”, por “First Rodeo”, assim como por todos os outros lugares em forma de composições musicais. Nunca nos perdemos porque, na verdade, também nunca nos encontramo. Permanecemos lost in translation entre realidades tão finas e espúrias, tão fora dos contextos mais normativos da linguagem dos sons e do que lhes é relativo, que tudo parece irreal ao nosso redor. Há, na verdade, um vocabulário muito próprio no linguajar destes três músicos.
Ao que parece, a comunicação terá começado há mais de uma década, quando Peter, David e Nicholas se conheceram. Foram compondo, fazendo jams de música ambiental e algum do resultado desses encontrou redundou em Selected Jambient Works Vol.1. Ainda bem, dizemos nós.
O mais interessante em Selected Jambient Works Vol.1 não se percebe numa primeira audição. Não se entendem perfeitamente, de início, as nuances, os contornos esquivos e sombrios, pelo que a aparência do que se ouve no imediato vence de caras o que se revela depois, bem depois dos primeiros momentos de escuta. São exatamente esses, os instantes das descobertas, que nos trazem boas surpresas. Parece que borbulham por debaixo das paisagens tranquilas que se desembrulham aos nossos ouvidos. E são maravilhosos e gratificantes, esses milagres constantes, podem crer.
Claro que agora queremos mais. O facto de este ser o primeiro volume de gravações dos jambient works, parece ser enunciador que outras virão a caminho. Que façam boa viagem e que passem por aqui de novo. Enquanto não aterram de novo estes vaqueiros tristes dos espaços siderais, fiquemos com o que temos em mãos. Em mãos, é como quem diz… na cabeça.