Em 1991, foi ao som de “Quicksand”, de David Bowie, que Brett Anderson e Bernard Butler desenharam interiormente o desejo de serem mais que amigos – de serem uma banda, tocar em palcos e tocar nos corações. A morte recente de Bowie e o álbum que se avizinha dos Suede são o mote para um texto que pretende cruzar histórias, vivências e, sobretudo, celebrar a música e a arte.
Diz Michael Hann, jornalista do The Guardian, que Bernard Butler (guitarrista fundador dos Suede que viria a abandonar a banda em 1994) lhe falou ao telefone, dias após a morte de Bowie, sobre “Quicksand” e aquele momento em 1991 como se fala da nossa primeira namorada: a distância não apagou a memória e o revisitar do momento, e o óbito prematuro (como sempre é prematura a morte de um génio) do ícone devolveu o guitarrista ao “momento de ouro” daquilo que viriam a ser os Suede.
Um pormenor engraçado? O homónimo disco de estreia do grupo foi editado a 29 de março de 1993, uma semana antes de as lojas receberem Black Tie White Noise, 18.º de originais de Bowie e o primeiro que o músico lançou na década de 1990. E o mais giro? Um repórter de então do New Musical Express (NME), jornal que pouco tempo antes elevara os Suede à condição de melhor banda britânica mesmo ainda sem disco algum no mercado, levou a Bowie uma K7 com temas de Brett Anderson e amigos.
“De todas as K7 que me enviaste, esta é a única que vi logo que era fantástica”, declararia depois Bowie ao jornalista. A ponte fez-se depois e Bowie, o ídolo, conheceu Brett, o petiz aspirante a estrela rock, na casa dos 20 anos, que chegou ao homem de quem tinha posters em casa e dele recolheu elogios. Tiraram fotografias para o referido NME. Beberam chá, Bowie, Brett e o repórter, enquanto escutavam em primeira mão Black Tie White Noise. Falam de pós-modernismo, dos anos 1970, ambiguidades sexuais, saxofones, Bryan Ferry, e muito mais. À conversa chega-se facilmente com meia dúzia de cliques na Internet de 2016.
Nos próximos dias é editado Night Thougts, sétimo álbum de estúdio dos londrinos Suede e segundo nas lojas depois do regresso ao ativo do grupo, em 2010 (a banda havia cessado funções em 2003). É um disco onde o grupo troca palavras de luxúria, vida louca e desejo por uma nova ideia de parentalidade (Anderson foi pai há pouco tempo) e relativo conforto – embora, a avaliar pelas faixas já reveladas, permaneça inalterada a destreza pop, um particular apreço por refrões e um sempre presente abraçar do legado próprio – legado próprio que, sim, foi buscar muita coisa ao génio falecido na semana passada.
Bowie morreu no passado dia 10 de janeiro aos 69 anos de idade. Brett Anderson tem 48 anos e prepara-se, com os seus Suede, para estampar Night Thougts – é editado na sexta-feira – no coração dos fiéis de sempre. O filho de Brett tem três anos, o seu enteado onze, este que vos escreve estas linhas 31. Em comum, a música como baliza das emoções e referência central de memórias, tensões, amores, vida. Mesmo quando a morte – rude ou cristalina, real e absoluta ou metafórica – forçosamente tem de chegar. David Bowie morreu e o seu legado não fica só na maravilhosa obra e nos discos que temos lá por casa. Celebremos.