Portugal é um país geograficamente pequeno. Também noutras coisas, que não vale a pena aqui referir, somos menores que outros países chamados “desenvolvidos”. Talvez por isto seja de admirar (ou não) a quantidade de projetos interessantes que têm vindo a aparecer nos últimos anos (algo potenciado, sobretudo, pela internet), a nossa grandeza neste aspeto. Em todos os géneros musicais o país tem tido gente verdadeiramente inovadora, que nos tem deixados orgulhosos deste pedaço de terra à beira mar (ao nível da música, pelo menos).
Na vanguarda desta nova geração de músicos, nomeadamente no campo da produção, temos o lisboeta VULTO. Também conhecido por outros pseudónimos como Pedro, o Mau ou pelo projeto MAPAMUNDO (que junta a produção de Pedro, o Mau à voz de Íris Rebelo), este produtor, que começou a partilhar a sua música em agosto de 2014, já nos deu a ouvir, entre EPs, colaborações (o seu “ajudante” mais comum é o rapper L-ALI), singles, remixes e mixtapes, dezassete publicações, entre outras colaborações (produziu alguns instrumentais no álbum deste ano de NERVE).
De facto, a produção de VULTO. é algo que em Portugal é completamente novo. Mesmo a nível internacional é difícil encontrar alguém a fazer o que este lisboeta faz. Lembra um pouco as produções mais iniciais da Odd Future, mais assombradas e pesadas. Ainda assim, cada beat criado pelas mãos de VULTO. é único e traz, sem qualquer hipótese de dúvida, o carimbo do seu criador. Tem um som muito próprio, estranho, inconfundível.
As Irmãs Reúnem é difícil de engolir à primeira, mas, assim que deixamos as sombras envolvermo-nos, a trip sonora é imediata e, a cada escuta, leva-nos a descobrir novos elementos. Colagens de sons alienígenas e urbanos sobre samples distorcidos e beats que até poderíamos considerar normais transformam os instrumentais em camadas de som cuja digestão leva algum tempo. Temos neste álbum desde faixas mais jazzy (“O Meu Neto Tem o Meu Passe” ou “Risotto de Papel”) a outras bastante experimentais e abstratas (“Barba No” ou “Lado Negro”). Os vocais são marcados por um reflexo paralelo mais negro – dá sempre para ouvir uma percentagem da voz com o pitch bastante reduzido. As letras apresentam diversos estilos, fruto da quantidade de diferentes rappers que dá o seu contributo neste álbum – L-ALI, Tilt, Blasph, Mike El Nite, Big-P, Revo-T e Jota são os nomes de quem dá voz aos instrumentais de VULTO. Tudo isto ajuda a construir um álbum de hip hop bastante experimental, mas sem se tornar impossível de ouvir, e com um fio de condução que cria uma certa coesão no álbum: o negrume. Todas as faixas têm uma aura bastante negra e retorcida, tanto pelos instrumentais como pelas letras impróprias para criancinhas.
VULTO. constrói, assim, um álbum muito forte e que, com certeza, terá influência naquilo que se vai fazer no hip hop nacional daqui para a frente. Vale definitivamente a pena dar uma escutadela a As Irmãs Reúnem, ainda que mais se imponham para ouvirmos verdadeiramente esta mixtape.
Aguardamos com curiosidade mais lançamentos deste jovem produtor português.
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