Ao segundo dia, o sentimento agridoce de presenciar ótimos concertos mas com aquele cheiro a despedida – o ano festivaleiro acabou com o fim do Vodafone Mexefest. Venha 2018 – e rápido.
Estreámos o segundo dia do Mexefest logo com um trunfo: enorme concerto do Conjunto Corona no Capitólio. E não falamos só da sofisticação dos ritmos e batidas de hip-hop. Falamos também de toda a riqueza e ambiguidade do conceito. Quem é o misterioso “Homem do Robe” e porque é que ele ofereceu hidromel à cara de Chewbacca do lado e a nós nada? À primeira vista, os Corona parecem mânfios dos guetos do Porto, de quem teríamos medo de lhes perguntar as horas, não fôssemos ficar sem os ténis. Só aos poucos vamos percebendo toda a ironia e humor que estão por detrás, uma sátira impiedosa e ternurenta ao Porto manhoso mas autêntico, todo um manual sobre o bom gosto que pode haver no mau gosto. A quem não se revê nesta inteligente homenagem ao kitsch portuense, só temos a dizer: “pontapés nas costas, chino no olho”.
Fumámos um joint e descemos até à Casa do Alentejo. Onde Conjunto Corona foi malícia, Sopa de Pedra foi pureza: oito bonitas moças do Porto cantando à capela a nossa tradição, as oito netas favoritas de Michel Giacometti. Seduzidos pelas suas doces harmonias de terra e trigo, tentámos, debalde, ir às raparigas solteiras.
Depois do inocente namorico, subimos ao Coliseu para uns apropriados Cigarettes After Sex. É verdade que a sua pop lânguida e sensual nos embala, e que a sua monótona cadência nos entorpece, mas o sono que nos vai invadindo é gourmet, como quem faz a sesta na cama da rainha. O paraíso para hipsters românticos com insónias.
Enrolámos outro joint e voltámos para onde fomos felizes: à Casa do Alentejo. Paulo Bragança, o regressado, lá nos esperava, envolto num nevoeiro de tristeza e saudade. Ninguém ficou chocado com a sua saia comprida e seus pés descalços. Mas sucede assim hoje porque alguém nos anos 90 ousou ser diferente. Se hoje o fado é livre, devêmo-lo muito a Bragança. Destaque para o mítico Carlos Maria Trindade nas teclas e para uma bonita versão de “Soldado” dos Sitiados. O fantasma de João Aguardela estava lá e sorriu.
No fim, Moullinex presenteou-nos com o seu Hypersex perante um coliseu lotado: o espetáculo ampliou para palco maior a apresentação no MAAT do terceiro álbum do músico e produtor, e foi o final de festa que todos queriam. Houve dança, funk, soul, algum rock, muitos convidados e um conjunto em ponto de rebuçado. Grande festa.
Faltaram referências a outros nomes que presenciámos apenas em parte, mas que merecem elogios: Aldous Harding é uma das figuras do ano, e muitos foram seduzidos pela cantora e compositora no São Jorge; os Everything Everything deram tudo perante um Coliseu maioritariamente desconhecedor da sua obra, mas rapidamente convertido; e Julia Holter passou pelo Tivoli para momentos intimistas, sombrios e frágeis.
E assim acabou mais uma grande edição do Mexefest. Com as solas dos sapatos mais gastas, mas com o coração muito maior. Até para o ano, amigos.
Reportagem: Pedro Primo Figueiredo e Ricardo Romano || Fotografia: Inês Silva