Vaiapraia tem o soro da verdade e o fruto da incerteza. E pela força da sua palavra tem a pujança para condensar o poder da dor em quatro faixas que valem por muitas mais.
Não há Madre Teresa para ninguém. Excomungados, sofremos as penitências dos mortos, não pela sua fonte extinta mas pela sua lista criativa. Sofremos tantos males, os nossos, os dos outros, os dos outros como se fossem os nossos, os dos antepassados ou antepresentes… Mas a dor, essa está entre nós. Estrelas e Trovões é assim, mágoa em bruto com baixo acústico. O que sobra são corações acutilados e esperanças esmagadas pela verdade da palavra, sempre honesta, que nos dá a compreensão que não se pede, mas que se recebe sem rodeios. E a verdade dói, mas sabe bem.
“Rio da Promessa” é o pontapé no estômago, não apenas de saída. A perseverança moribunda versus a esperança da luta e quem ganha é a construção pessoal em prol de um amor que se espraia para além dele próprio. Vaiapraia usa as palavras como colegas de carteira e como armas de fogo. Mas isso é um grande poder para se ter. Tão ou mais cru do que antes, partilha coisas que, uma vez escarafunchadas, o deixam mais nu do que nunca. São quatro tímidas músicas lançadas em EP nos meses mais desprezados do ano, que nunca chegarão a um longa-duração, e que ainda assim conseguem ter mais força do que álbuns inteiros com altas produções. É o seu lado verdadeiramente cru que nos faz buscar a sua voz, cada vez mais lânguida, e ainda assim cada vez mais feroz.
E aqui, atrás da tristeza, desesperança e aceitação, há uma voz mais feliz a ecoar como o canto de uma sereia. Despido de banda e em experiências, Vaiapraia acabou a casar os seus desabafos com as segundas vozes e teclados de Júlia Reis, das Pega Monstro, e isso soa como a coisa mais natural do mundo. “Cascata Doméstica” faz a pergunta mais difícil: “será que o amor vive da solidão?”, “Se eu Crescer” fala do pulsar da liberdade e da ansiedade da separação, tão juntas como adversas. E a comunhão encontra-se sempre, nem que seja “nas falhas do SNS”. Mas será que o crescimento não colmata a vontade de não ter horas para chegar a casa?
“Vento nas Costas” é o assumir do luto. Ele é assunto embrenhado em alguns versos, mas é impossível ignorar este vento nas costas: “O que é que é morrer? É soprar um refrão que ninguém vai entender”. E se dissermos, assim, sem merdas, que há muitos mais que entendem estas entrelinhas e medos e angústias? Talvez não seja – então – uma morte absoluta.