TV Rural. Não, não o do Sousa Veloso. Esse já se despediu de nós há tempos, bem antes de sermos apresentados à banda de David Jacinto, na voz e na guitarra, David Santos, no baixo e na voz, Gonçalo Ferreira, na guitarra e na voz, João Pinheiro, na bateria e na voz, e Vasco Viana, na guitarra e na voz.
Após Balada do Coiote, de 2012, que conseguiu um câmbio feroz e quase imaculado de géneros e de influências tanto lusitanas como não, os TV Rural regressam agora com o seu novo EP, Barba.
Bem nos recordamos do último projeto da banda, precisamente o álbum Balada do Coiote, como furtivo, tímido, selvagem, de contornos obscuros que lembram uma noite na floresta na companhia dos rosnares da matilha, tecidos a um emaranhado de música muito portuguesa marcada pelas mais variadas influências, desde jazz a cadências e melodias que fazem recordar ao longe o folclore dos parentes não muito distantes Diabo na Cruz. Este último álbum tratava-se do segundo álbum da banda portuguesa que já conta com mais de dez anos de existência. É o sucessor do explosivo álbum de estreia, Filomena Grita, que data já de 2007 – um álbum já muito diferente, repleto de cor, energia, exuberância irrequieta que faz com que o pé já abane sem querer. E se muitas faixas do sedutor, calmo e maturo Balada do Coiote parecem quase o antónimo de Filomena, o mais recente EP da banda promete uma junção sublime do ambiente de cada um dos projetos anteriores.
Mesmo sendo o herdeiro legítimo de tudo o que advém de bom dos projetos anteriores, Barba distingue-se orgulhosamente dos seus antecessores. É um conjunto de seis músicas sólidas por si mesmas, que servem de fio para tecer um conto difuso e intimista que acaba demasiado rápido para qualquer um.
A primeira faixa, “Intro”, apanha o ouvinte de surpresa com uma melodia tão doce quanto sinistra na sua simplicidade, emaranhada num fantasmagórico coro que nos parece avisar do que se segue.
“Em Menos de Meia Hora” é algo digno de banda sonora de western poeirento alentejano e solarengo, com uma cadência sedutora, cuidada, e desde já prova da evolução da produção deste EP em relação aos projetos anteriores da banda. Segue-se o que é, sem dúvida alguma, a cara, corpo, barba, mãos e coração do EP, a melhor das seis, “Admite Que Estás de Volta”, cuja proximidade da perfeição à qual se encontra a produção afinada, a letra fantástica e triunfante, e a melodia, por vezes doce, por vezes deliciosamente melancólica, constrange a sua descrição exata; no entanto, digamos apenas que, quando David Jacinto afirma, com a segurança de quem não tem de esforçar a voz, “eu cá tomo conta disto”, podemos acreditar. É sem dúvida a música que, se conseguíssemos ver além da metafísica, levaríamos connosco para casa.
“Eles Deram as Mãos” passa grande parte do seu tempo como que um sussurro suave e tímido que acaba por agregar força suficiente para medrar um coro robusto e forte, que se parece entranhar no cenário de uma revolução daquelas que enche o Terreiro do Paço de gente que grita como se tivesse gente dentro de si também. Segue-se “Olha Que Bem”, que se rasteja pesarosamente ao longo de uma cadência forte, furiosa, pesada, com uma letra venenosa, irónica e fruto da habilidade de escrita cada vez mais aguçada dos membros da banda (culminando num entoar em coro inevitável e insistente de “vai-te foder, vai-te foder”, que parece explicitar suficientemente bem todo o cenário da composição). E sem sequer nos apercebermos, chegou a hora da despedida, com “Saio Daqui A Olhar Em Frente”.
Numa altura na qual o cenário da música portuguesa actual parece tão rico em bandas boas como cego, surdo, mudo e inválido no que toca a desenterrá-las e recebê-las com a atenção que merecem, Barba é um grito de S. Domingos de Rana para o mundo, como quem diz: “cheguei”. Simples e assertivo, este EP é sem dúvida o melhor trabalho da banda até agora. Sem grandes complicações – os TV Rural são portugueses, são cinco, estão agora mais prontos do que nunca para vos receber. A barba despontou de vez. E face a estas seis músicas, resta-me dizer; “despeço-me com amizade até ao próximo programa”.