Return To The Cookie Mountain é um álbum que continua perfeito, tal como no dia que foi lançado, tal como foi apercebido na altura e premiado como tal.
Nota de arranque: Esta crónica está a ser escrita à distância de 15 anos do lançamento de Return of the Cookie Mountain, mas estou disposto a apostar o meu testículo esquerdo como se manterá atual daqui a outros 15, e daí por mais outros 15 (a partir daí já melhor refrear as renovações, o testículo estará descaído e muito provavelmente disfuncional pelo que de nada servirá como moeda para aposta).
Os Tv on the Radio, fizeram-se banda em 2001, fruto da conjugação de um triângulo constituído por Tunde Adebimpe (ex-ilustrador na MTV), o artista visual David Sitek (que como produtor tem no seu currículo discos de bandas como Yeah Yeah Yeahs, Liars, Foals, The OhSees, CSS, Weezer) e o homem do cabelo maluco Kyp Malone, todos eles a encarar o experimentalismo como religião, na peugada de nomes como Spiritualized, Lee Scratch Perry, Beach Boys e Radiohead. A isto juntou-se como mentor David Bowie e esta fórmula só podia ter um resultado: Return of the Cookie Mountain foi disco do ano de 2006 para várias publicações de música, resistiu ao teste do tempo (ouvi-lo continua a ser um imenso prazer e uma constante descoberta de novos recantos) e está no panteão dos álbuns que marcaram a década dos 00’s e o revivalismo do rock que lhe ficou subjacente.
O ano de 2006 marcou o início de uma cena dentro de uma cena – depois de anos em que era Nova iorque que comandava as operações em termos de rock alternativo através do revivalismo minimalista new wave dos Strokes, do disco-punk dos Rapture e dos LCD Soundsystem e ainda da veia sofisticada dos Interpol, o eixo de interesse mudou-se para Brooklyn. Ali apareceu uma nova geração a fazer música eclética e complexa, diversa e rica, obrigando os críticos a mudarem-se para Williamsburg para acompanhar este momento in loco. Os Tv on the Radio foram os primeiros a chamar atenção, abrindo portas a bandas como Battles, Dirty Projectors, MGMT, Vampire Weekend, Yeaseyer, Grizzly Bear, entre outras. As diferenças sonoras entre estas bandas eram evidentes e demonstrativas da riqueza advinda da gentrificação existente nesta zona da cidade e os grandes beneficiados foram os ouvintes.
Mas voltemos aos Tv on the Radio – após o lançamento do seu primeiro longa duração Desperate Youth, Blood Thirsty Babes de 2004, um tal de David Bowie gostou tanto que quis apoiá-los no que precisavam, consciente que bastaria uma palavra sua para o rastilho se acender e a banda começar a ganhar atenção. Até neste ponto os TVOTR se mostraram confiantes – Bowie foi “apenas” chamado para uma contribuição quase inaudível em “Province”, uma das grandes canções do disco (e são várias…).
O arranque do disco é soberbo, “I Was a Lover” conquista-nos desde o início com a doçura na voz de Adebimpe, acompanhada de sons a crescerem de intensidade à sua volta, por vezes sintetizador, outras piano, sempre com bateria num ritmo cadenciado, mantendo a tensão que é o cerne da canção e do álbum todo. A atmosfera de Return to Cookie Mountain é o mais marcante de tudo, é desconfortável mas seguro, carregado de intensidade a cada palavra e a cada som que Sitek incorpora nas músicas. Quando em “Province” Adebimpe nos recorda que “Love is a province of the brave” não parece lamechas, mas sim grandiloquente. A paleta sonora que Sitek utiliza é de uma abrangência incrível, utilizando em cada canção lampejos de intrumentos, que aparecem e desaparecem no momento seguinte.
Mais para a frente no disco estão as portentosas “Wolf like Me”, que dispensa apresentações, “A Method” e “Tonight” belas melodias aparentemente pacíficas mas carregadas de dissonâncias e irreverência e fecha-se o disco com os oito minutos de “Wash the Day Away”, que nos envolve, mastiga, engole e deita fora.
Return to Cookie Mountain é, numa palavra, uma maravilha – um álbum experimental com um coração pop que deixa marcas profundas e irremediáveis a quem o absorve.