Há que saudar, aplaudir, comemorar, o regresso deste projecto que, felizmente, criou raízes, voltando agora passados 15 anos, sempre actual, sempre contundente.
Pode-se sempre questionar por que raio é que demoraram tanto tempo, mesmo sabendo que cada um tem a sua própria carreira, os seus próprios concertos, a sua própria vida. Mas a maturidade que me advém (cada vez mais) em forma de cabelos brancos, leva-me a aceitar e desfrutar sem questionar. Desfrutar, antes de mais, a forma, surpreendente, noticiando a coisa e 15 dias depois estar disponível o produto final, o álbum completo de seu nome Tribalistas (tal como o anterior), sem qualquer distinção. Marisa, Arnaldo e Carlinhos aproveitaram a difusão em directo possibilitada pelas redes sociais, do seu jeito próprio, a tocar as músicas, a explicar o que está por trás das mesmas, a responder a questões dos fãs, numa sessão de uma hora disponível no vídeo mais abaixo, para lançar a notícia de um álbum novo ao mundo.
Entremos então nas músicas que compõem o álbum, são apenas 10, despachadas em 36 minutos, mas que se colam facilmente aos ouvidos. “Diáspora”, a primeira, ataca com leveza tribalista um tema que urge ser aplacado mas que continua pendurado por interesses maiores – a questão dos refugiados, consequência de uma guerra que teima em não se deixar resolver. E quando digo leveza tribalista refiro-me a dizer muito com poucas mas acertadas palavras, enquadrando também palavras de outros, no caso versos de dois poetas brasileiros: Sousândrade (versos de “O Guesa”) e Castro Alves (“Vozes d’África”). Na altura, há já mais de 100 anos, Castro Alves perguntava “Onde estás, Senhor Deus?…” e a pergunta mantém-se, onde estará esse tal Deus que permite aos homens dilacerarem-se uns aos outros, mulheres, crianças desta forma? É que a humanidade é diversa, mas no fundo no fundo somos “Um Só”, e como um só deveríamos resolver os problemas que criamos a nós próprios. Comunistas, capitalistas, anarquistas, patrões, justiça e ladrões, no Brasil de hoje em dia é possível ser-se todos estes ao mesmo tempo e ainda dormir à noite. Só mesmo vivendo “Fora da Memória”, a história devia sempre ensinar e não ser esquecida. Porque tudo é passageiro, tudo desaparece, lição tão bem aprendida ao ler “Aprender a Rezar na Era da Técnica” do nosso Gonçalo M. Tavares.
As lutas da juventude também fazem parte do guião dos Tribalistas, “Trabalivre” sobre a luta do dia a dia, do ter ou não ter trabalho, enquanto que em “Lutar e Vencer” sente-se a força de toda uma geração que quer mais do que tem, que se sente desprotegida, sem símbolos e referências – “Material humano / Com potencial / De uma natureza / Sobrenatural” e “Somos emergência / De revolução / Temos consciência / E educação”.
Mas os Tribalistas não se fazem só de relatos da nossa sociedade imperfeita, também cá estão para músicas simples sobre o amor, sobre água, sobre peixes. Se o dia ocorrido há uns 11 anos atrás fosse hoje, teria utilizado “Aliança” em vez de “Carnalismo” para o momento alto dessa festa, música perfeita sobre a união de duas pessoas. Ficou então para o fim a fofinha e leve “Os Peixinhos”, onde se destaca a participação de Carminho, acrescentando toque e sotaque de Portugal ao disco.
No fundo temos em mãos um disco que une (novamente) três dos maiores compositores brasileiros, todos eles de uma dimensão mundial, que reforçam a velha máxima que um conjunto pode ser maior que a soma das partes. Mais contundente que o álbum anterior, e sem o facilitismo de “Já Sei Namorar”, os Tribalistas dão a cara para as lutas que temos perante nós da forma que melhor sabem fazer – através da união, mostrando que é esse o único caminho possível.