Na sua segunda passagem por Lisboa, os TOY fizeram-se donos do Sabotage e foram reis durante quase duas horas. No final, cabeças à roda em mais um concerto irrepreensível da banda britânica.
Noites de março não são conhecidas pelo seu calor imenso. De facto, o fresquinho que se fazia sentir por volta das 22:00h do sétimo dia deste mês ajudou a encorajar uma entrada mais célere no Sabotage Club. Contudo, este fluxo anormal de gente não se dava por acaso — finalmente as estrelas alinharam-se e trouxeram de volta a Lisboa os britânicos TOY, depois de quase três anos sem pisarem a capital portuguesa. Escusado será dizer que a lotação estava esgotadíssima — além de trazerem na bagagem o seu mais recente álbum Clear Shot, a reputação dos concertos de Tom Dougall (guitarra, voz), Dominic O’Dair (guitarra), Charlie Salvidge (bateria), Maxim “Panda” Barron (baixo) e Max Oscarnold (teclados) precede-os. E, diga-se, que merecida que é esta reputação. Mais uma vez, com um concerto brilhante, mostraram-nos como é que se faz isso de misturar psicadelismo com krautrock, pop, post-punk e shoegaze num rock igualmente etéreo e distorcido, de pés assentes na terra e cabeça no espaço.
Por volta das 23:00h, entraram em palco cinco figuras altas, esguias e tímidas. Rapidamente tomaram as suas posições e arrancaram a toda a velocidade com “Fall Out of Love”, o portentoso final de quase dez minutos de Join the Dots (segundo álbum da banda). Com este início fortíssimo, fizeram logo uma amostra daquilo que se viria a repetir (na estrutura, nunca na forma) algumas vezes durante a noite — Tom a entoar belos versos, os dois guitarristas a erguer imensas walls of sound, Maxim a marcar um baixo compassado, Max a ajudar a compor o som com maravilhosas texturas sintetizadas e, por fim, Charlie, atrás da bateria, completamente possuído pelos espíritos de Klaus Dinger e Keith Moon a dar propulsão ao foguetão TOY.
Seguiu-se a primeira incursão no terceiro e último registo da banda, Clear Shot, com o single “I’m Still Believing”, mais amigo do ouvido que a maioria da sua discografia. À segunda faixa, já o quinteto londrino arrancava enormes salvas de palmas ao público, mas o que se viria a seguir roubaria a todos os corpos ali presentes a inércia que ainda pairava um pouco sobre eles. “Kopter”, o magnífico final do homónimo de estreia da banda, não deu qualquer hipótese, era impossível ficar parado ao som de algo tão frenético e enérgico. Se havia dúvidas sobre a capacidade de qualquer um destes rapazes dominar o seu instrumento, ficaram dissipadas ali — com especial destaque para a enorme qualidade técnica de Charlie Salvidge no comando rítimico da nave. Posteriormente a esta (primeira) catarse, seguia-se um momento de paz. De uma paz inquietante, estranha — “Fast Silver”, lenta, com os seus acordes dissonantes e harmónicos serpeantes, parecia um alienígena a aterrar na Terra. Não para nos destruir, contudo, mas sim para nos mostrar um novo mundo, belo e luminoso. Ao som desta canção misteriosa, os corpos oscilavam como árvores ao vento, num transe difícil de quebrar senão pelo fim da música.
Depois de outro regresso ao passado com a música de abertura de Toy, “Colours Running Out”, passavam a mostrar-nos primeira faixa de Clear Shot, com o mesmo nome. E, se em estúdio o crescendo de entropia da canção soa muito bem, ao vivo este ganha uma força incrível, proporcionando aos presentes mais um grande momento de música. Esta é, possivelmente, a grande arma não-tão secreta dos TOY para conseguirem dar sempre concertos fantásticos — pegam nas versões de estúdio e acrescentam-lhes uns pormenores aqui e ali, dando, contudo, um enorme dinamismo a todos os elementos sonoros: tudo se ouve mais, melhor e com mais vida.
Em seguida, ouviu-se a quase-pop barroca de “Clouds That Cover the Sun”, onde as segundas vozes de Charlie e Maxim brilharam como no álbum não se ouve. Chegado o fim da música e após mais uma grande salva de palmas (que, de resto, foram uma constante ao longo do concerto), o grupo agradeceu e o baixista (comunicador principal da banda) perguntou numa voz brincalhona “how are you feeling?”, questão à qual a resposta foi um misto avassalador de sim/yeah/good e gritos. Daqui, partiram para outro dos grandes momentos da noite: “Left Myself Behind”, o fantástico single que deu início à história discográfica dos TOY. Passando da parte cantada ao final instrumental, com a bateria robótica e guitarras a voar por toda a atmosfera, tudo nesta música foi perfeito, provocando mais uma catarse entre os membros da plateia. Oscilando entre saltos, headbang e transe, o público também esteve bastante à altura do concerto, respondendo sempre muito bem à música e à boa presença de palco dos elementos da banda — sobretudo de Maxim, que aproveitava qualquer oportunidade para trepar a plataforma da bateria ou que por várias vezes (inclusivamente em “Left Myself Behind”) ia para o meio da plateia. Ainda durante esta faixa, fez-se ouvir o primeiro clap along generalizado. Tudo culminou, claro, numa enorme salva de palmas e agradecimentos incansáveis por parte dos membros da banda.
Daqui até à última faixa do concerto, seguiram-se quatro músicas do primeiro e terceiro álbuns que mantiveram o nível de energia e qualidade até aí vivenciados — “Another Dimension”, “Motoring”, “Dream Orchestrator” e “My Heart Skips a Beat”. Contudo, anunciada por Maxim como a última música, ninguém estava preparado para a tempestade sonora que aí vinha: “Join the Dots” chegou, arrebatou e saiu, purgando (nem que durante um breve segundo) todos os males que pudessem estar a afetar os membros do público. Nela, sobressaíram como nunca noutras partes do concerto, as qualidades individuais de cada um dos músicos. Maxim marcava a linha de baixo ritmada e complicada com uma serenidade que fazia parecer aquilo coisa fácil. Max, nos teclados, oferecia texturas de outros mundos à composição sonora. No interlúdio instrumental, Dom e Tom desapareceram, por momentos, da vista de quem não estivesse na primeira fila para brincar com os seus pedais e transformar as suas guitarras em ondas de feedback, levantando-se logo a seguir para erguer uma wall of sound massiva e solar por cima dela. Por último, mesmo já tendo estado absolutamente brilhante no resto da faixa, no final de “Join the Dots” Charlie deixou-se levar e só mesmo quem não estava atento é que não ficou com o queixo no chão ao ver aquele homem, com uma energia impressionante, a dar tudo de si.
A seguir a um momento tão tremendo como este, a salva de palmas só podia ser correspondente. A banda voltou ao palco, agradeceu imenso a presença de todos e fechou a noite com “Dead & Gone”, do primeiro álbum. E assim se passou uma noite fantástica, com mais um concerto maravilhoso dos TOY em Portugal. Como em tudo aquilo é incrível, deixou água na boca — já mal podemos ansiar pelo próximo.
Fotografia: Mariana Martins de Oliveira