Part One representa, no seu todo, a essência do psicadelismo da costa oeste dos Estados Unidos. Belo e estranho ao mesmo tempo. Uma verdadeira trip.
Uma das bandas mais interessantes a surgir do movimento psicadélico de meados dos anos 60 dava pelo invulgar nome de The West Coast Pop Art Experimental Band. Tal como a banda de Los Angeles, muitas outras bandas começaram a aparecer com denominações bem estranhas para os moldes da altura. Um pouco por todo o lado nos Estados Unidos, mas especialmente na Costa Oeste, foram surgindo nomes como The Peanut Butter Conspiracy, Strawberry Alarm Clock, The Chocolate Watchband, Big Brother and the Holding Company, Country Joe and the Fish, Ant Trip Ceremony, Beacon Street Union, Elmer Gantry’s Velvet Opera, The Incredible String Band, The Mothers of Invention, Quicksilver Messenger Service, The 13th Floor Elevators, entre muitas outras.
Quem esteve muito atento a este fenómeno foi Paul McCartney. Em 1966, os Beatles estavam agastados com o histerismo que eram os seus concertos, onde já ninguém ouvia a música, nem sequer eles próprios. Metendo no mesmo prato o facto de Lennon ter referido numa entrevista que achava que os Beatles pareciam maiores que Jesus, o que fez com que passasse a haver movimentos para impedir os Beatles de voltarem a tocar e a vender discos em solo norte-americano. Isto fez com que os Beatles deixassem, por tempo indeterminado, de tocar ao vivo. O seu último concerto oficial foi dado a 29 de Agosto de 1966, no Candlestick Park, em São Francisco. A partir daí Paul começou a pensar num conceito para o futuro dos Beatles e Sgt. Pepper surge como uma mistura de tributo e ironia aos nomes longos e estranhos que começavam a surgir do outro lado do atlântico.
Inspirados pelos Beatles, Stones, The Who ou The Animals, membros da denominada “Invasão Britânica”, os miúdos norte-americanos começam a descobrir as suas próprias origens. Surgem, então, bandas como os Byrds ou os Grateful Dead (ainda como Warlocks) que pegam no folk e transformam-no no folk/rock. A partir de 1966 os estupefacientes começam a fazer efeitos na música. Fifth Dimension dos Byrds, Psychedelic Lollipop dos Blues Magoos, o disco homónimo dos Buffalo Springfield, Take Off dos Jefferson Airplane e ainda discos como Love, Monk Time, Freak Out!, The Seeds abrem caminho para que a torrente do rock psicadélico desague em força bruta em 1967.
É neste contexto que surgem os West Coast Pop Art Experimental Band (WCPAE). Formados sob o nome de Laughing Wind ainda em 1965, acabam por mudar a sua designação para a forma actual, devido ao recém entrado Bob Markley. Os Laughing Wind aceitaram Bob não tanto pela sua qualidade musical, supostamente inferior à dos restantes elementos da banda, mas sim pelas suas ligações ao mundo da indústria e ao facto de Markley ser filho adoptivo de um magnata do petróleo, fazendo que o dinheiro não mais fosse um problema.
Esta poderia ser mais uma história de banda que se vende por dinheiro e acaba por amuos e birras de playboy mimado. No entanto, Bob Markley era uma cabeça esperta e incrivelmente criativa e acabou por transformar o grupo num dos mais interessantes a sair da cena psicadélica da altura, mesmo que com um tempo de vida relativamente baixo – a banda acabaria por se desintegrar em 1971.
Embora os WCPAE tenham lançado um primeiro disco em 1966, Volume One, composto maioritariamente por covers e colaborações com Kim Fowley, outro “freak head”, é com Part One, primeiro disco lançado na editora Reprise, que a banda marca o seu verdadeiro início.
Composto por onze músicas, e, mesmo que nenhuma ultrapasse a razoável marca comercial dos 4:30 minutos, Part One faz um misto entre temas pop e bizarrias e, por vezes, junta-os na mesma canção, o que faz deste um perfeito álbum híbrido, entre tempos de amor hippie e de descoberta interior (e exterior).
Exemplos dessa pop deliciosa chegam-nos em “Transparent Day”, espécie de mistura entre Byrds e Beatles dos tempos pré-Revolver e “Will You Walk With Me”, música inspirada em “Morning Dew” de Bonnie Dobson. “Where’s Where You Belong”, cover de P.F. Sloan, também poderia perfeitamente ter sido retirada de um qualquer disco dos Byrds.
Antes de chegarmos ao legado mais freak, Markley e seus pares ainda nos deram uns números na onda dos Kinks como “Scuse Me Miss Rose” ou “Leiyla”, esta última já a entrar numa onda meio bizarra.
Mas são as restantes canções que fazem de Part One um disco verdadeiramente memorável. A música que abre o lado A, “Shifting Sands”, escrita por Baker Knight, também responsável por êxitos cantados por músicos como Elvis Presley ou Dean Martin, é uma viagem. As suas letras falam de alguém que nunca pode estar parado, em constante movimento e sem destino previsível tal como as areias do deserto. Em seguida “I Won’t Hurt You” mistura a ternura e estranheza. Acompanhando as letras bonitas de Markley, temos um ritmo de baixo em forma de batimento cardíaco que nos deixa algo angustiados. “1906” e “Help I’m A Rock”, esta última uma cover de Frank Zappa, trazem o lado mais freak do disco e é também um dos seus pontos fortes. A tal bizarria que intercala com os momentos deliciosos…
A fechar, “High Coin”. Um instrumental que começa com um rufar de tambores e a apresentação do disco e da banda. Assim acaba Part One. Um fim como começo e a noção de que tivemos, em cerca de trinta minutos, uma experiência a apelar aos sentidos.
Mais do que uma espécie de ter Kim Fowley a liderar os Byrds, Part One é caracterizado por um estilo de som bizarro, aqui e ali quase esquizofrénico, mas nunca descurando a pop e o formato canção. Markley e companhia esmeraram-se, e de que maneira! Um disco soberbo!