Para músicos extraordinários como os The Smile, fazer um disco apenas muito bom parece-nos um tanto desapontante. Mas não devia.
Ano fecundo, este de 2024. Em especial para os The Smile, que nos presentearam com não um, mas dois bons álbuns: Wall of Eyes e, agora, Cutouts, uma fiel continuação do estilo do seu antecessor. Não há ideias peregrinas, não há curvas nem contracurvas. O que há são muito boas canções – e para mim isso basta.
O único tema que sobressai do conjunto é “Zero Sum”. Herdou os ritmos arrojados e irresistíveis do primeiro álbum – “A Light For Attracting Attention” – e põe qualquer paraplégico a fazer breakdance. Mas o resto é quase tudo herança direta de “Wall of Eyes”: ambientes celestiais, o sussurrar fantasmagórico de Thom Yorke, sintetizadores etéreos e orquestrações que só eles sabem.
Há, todavia, pequenas farpas de novidade. “Instant Psalm” e “Bodies Laughing”, ambas basilares numa simples guitarra acústica que nos embalam num sonho rústico, esvaziando-nos do nosso próprio peso por alguns minutos. O resto, apesar de sem grandes surpresas, não fica atrás. Aliás, todos os temas são fiéis exemplares das excecionais capacidades de composição dos três membros da banda e de como a partir das mesmas peças conseguem fazer outro castelo completamente diferente. E, se for preciso, mais dez.
Mesmo assim, sentimo-nos estupidamente em falta. É inevitável. Tendo ouvido o que fizeram no passado, e que nos deixou boquiabertos até hoje, não há nada a fazer – vamos sempre esperar mais. Mais uma rutura na música, mais um virar de página, mais um Kid A, mais um Ok Computer, mais um In Rainbows, mais, mais e mais. E isso não está correto. Tornámo-nos criaturas de uma fome insaciável, incapazes de apreciar algo que não seja soberbo. O legado dos Radiohead está marcado a ferro quente nas nossas retinas e impedir-nos-á de reconhecer um bom álbum vindo de qualquer um dos seus membros noutro contexto senão na banda maravilha.
Por isso mesmo é que Thom e Johnny decidiram formar os The Smile. Era suposto ser um refúgio de toda a pressão que lhes cai em cima, de cada vez que pensam em fazer um novo álbum dos Radiohead. Era suposto ser, mas não é. E assim, Cutouts, um álbum fantástico, será aos nossos olhos, e para todo o sempre, vulgar. Isto é, invisível.