Os The Gift vivem uma nova fase. Em Lisboa, na apresentação do impactante Altar, deram um concerto irrepreensível onde só faltou um bocado mais de passado.
A falta de passado é, contudo, o preço a pagar por os alcobacenses continuarem mais voltados para o amanhã que para a saudade. O arranque da noite não deixou dúvidas: quatro músicas novas a lançar a atuação de quarta-feira à noite no Centro Cultural de Belém (CCB): “I Loved it All”, instrumentalmente gravada, apenas com a voz de Sónia Tavares ao vivo. Fecha o tema e entra a banda em palco, e “Vitral”, “Hymn to Her” e “You Will be Queen” prosseguem, no segmento que abarcou os temas mais lentos e menos ritmados do novo álbum.
Depois, um momento expectável – “Primavera”, ainda e sempre uma grande canção – e o menos previsível de todos e, talvez o mais saboroso para os fãs de sempre: “The Difference Between Us”, recuperação para o emblemático Film, de 2001, o álbum esteticamente e contextualmente mais próximo do novo Altar. É uma grande canção que sobreviveu à passagem do tempo, como as grandes obras.
“Clássico” e “RGB” prosseguiram o desfilar de memórias recentes antes do regresso aos Gift de 2017, com “Love Without Violins”, tema-chapéu desta nova vida do grupo: ritmos variados, lensa, rápida, intensa, desprendida no final, canção valente, imortal. “Lost and Found” abre depois caminho ao momento mais luminoso da noite – com efeito, “Malifest” é cor e tem África em si, pormenores inusitados, diríamos, nos alcobacenses, mas perfeitamente integrados nesta nova fase de quem, com mais de 20 anos de carreira, ainda procura novas janelas de reinvenção.
Segue-se “Clinic” Hope” e fecha o concerto, antes dos 12 minutos de “The Singles” e do gingar funk de “Big Fish” levarem a plateia para a efetiva dança. Já ninguém estava sentado por esta altura na sala maior do CCB, e depois do êxtase, nova surpresa: o segundo encore trouxe somente “What If…”, faixa final de Altar, momento lento e introspetivo, fim de viagem em disco e, também, em palco.
Os The Gift de 2017 não precisam de provar nada a ninguém, exceto a si mesmos. Têm um novo palco, novas canções, uma nova estética, mas a qualidade de sempre. Para os devotos de outras vidas, há o desejo de, um dia, ver a banda tocar na íntegra Film, por exemplo. Mas enquanto tivermos este grupo na plenitude da forma e permanentemente desejoso de se reinventar, não podemos levar a mal que o amanhã dos The Gift não seja feito de saudade – apenas e só, e este só não é pouco, de experimentação e desafio. Grande noite.
Foto: Luís Flôres