Let’s get Naked, everybody? Por nós, a resposta será sempre claramente afirmativa. Por isso, preparem-se para uma viagem até 1988, ano em que os Talking Heads resolveram fechar a loja da sua própria criatividade coletiva.
Há rumores, ou até mais do que isso, que vão juntar-se, ao fim de demasiados anos de separação. Para uma digressão, provavelmente. Para um disco de originais? Que bom seria! De qualquer forma, e uma vez que a pressa do mundo não admite grandes atrasos (não vá isto dar ainda mais para o torto), hoje trazemos a estas linhas um disco de estimação “muito cá de casa”. Também é verdade que há longos anos não o ouvíamos, pelo que este reencontro gerou cautelas por antecipação, uma vez que, por vezes, há surpresas menos agradáveis neste género de reaproximações. Nós vamos mudando os paladares auditivos, e por vezes sofremos dissabores sonoros inesperados. No entanto, há bons e velhos amigos que por muito que estejam afastados uma eternidade, abraçam-se calorosamente quando se juntam. Foi exatamente o que aconteceu. Naked permanece o mesmo. Nós teremos mudado alguma coisa, mas não o suficiente (que alívio!) para torcermos o nariz e as orelhas ao último disco oficial dos Talking Heads. Ainda comunicam, as cabeças pensantes que o fizeram e as nossas, que o escutamos com o mesmo prazer de há décadas. E assim, entre 1988 e 2024, o ápice de tempo demorou, afinal, pouco menos de uma hora, o da duração dos onze temas do disco compacto.
“Blind” abre o cortejo e “Cool Water” fecha-o em grande estilo. Pelo meio, há canções históricas e memoráveis. Algumas, ainda nos fazem vibrar em discotecas por esse mundo afora, como é (sobretudo) o caso de “(Nothing but) Flowers”. Mas já lá iremos de novo, às canções…
Os Talking Heads estavam à beira do abismo. Já pouco falavam uns com os outros, e quando o faziam mais valia que não o tivessem feito. Zangas internas, egos cada vez mais crescentes, Byrne desejoso de enveredar por uma definitiva carreira a solo – o que fez com grande sucesso de crítica e público -, os Tom Tom Club (Tina e Chris, o casal dos Talking Heads) como projeto paralelo, tudo levava ao rompimento total. A esse propósito, ler Remain in Love – Talking Heads, Tom Tom Club, Tina (Chris Frantz, White Rabbit, 2020) não deixa de ser um bom exercício para percebermos um pouco da história da banda que, como outras, debutou nesse saudoso antro de maus hábitos e boas músicas chamado CBGB & OMFUG. Com Naked, chegaram ao fim. Esse ponto final, no entanto, acontecia com um disco magnífico, um dos melhores que a banda nova-iorquina soube fazer.
Mas voltemos às canções de “Naked”. As cinco iniciais são dos melhores arranques de álbuns de sempre: Ora reparem: “Blind”, “Mr. Jones”, “Totally Nude”, “Ruby Dear” e “(Nothing but) Flowers” são garantia de festa, alarido gingão superlativo, de enlouquecer pernas e corações. Depois, com “Democratic Circus” chega uma certa acalmia, que a estranha “Facts of Life” acentua. As teclas de Jerry Harrison e Wally Badarou fazem do tema um inusitado momento new wave, um pouco à maneira de uns Ultravox, ou coisa que o valha. “Mommy Daddy You and I” é o momento cowboy americano do álbum, e “Big Daddy” transporta-nos de novo para um ambiente mais dançante, embora sem ser tão memorável como as cinco festivas primeiras canções de Naked. “Bill”, tema só existente no CD, é uma quase balada, bonita, ligeira e romântica. “Cool Water”, percussiva e triunfante, é um bom fecho para um álbum de finíssimo recorte artístico, que mostrava uma banda no auge dos seus desígnios criativos, mas que resolveu fechar portas e janelas, despedindo-se, assim, do mundo que entretanto tinham claramente conquistado.
Naked é, como acabámos de afirmar, um trabalho de excelência, embora muito artisticamente distante dos primeiros passos dados pela banda em Talking Heads ’77 ou More Songs About Buildings and Food (1978), também eles de inegável qualidade. Ficam, assim, estas linhas como apelo à audição deste último testemunho de estúdio dos Talking Heads, na esperança que outro disco possa vir a suceder ao que aqui apresentamos.