Num concerto que soube a despedida, os Swans presentearam-nos com três horas de sadismo e espiritualidade. Quase que vomitámos com o volume tão alto mas enchemos a nossa alma de transbordante infinito.
Os Swans, na sua actual formação, estão prestes a acabar. O concerto de segunda-feira no Lisboa ao Vivo teve o travo amargo de uma despedida. Foi então com particular estoicismo que enfrentámos o habitual massacre sónico dos Swans, centenas de decibéis trucidando os nossos intrépidos tímpanos. Porque a espiritualidade tem sempre um preço, que no caso da banda de Michael Gira é paga em lesões irreversíveis no ouvido interno. Nunca venderíamos a nossa acuidade auditiva por menos do que a pura transcendência.
Os temas dos últimos álbuns dominaram, mantras hipnóticos de budismo negro, incitações zen ao ódio e à guerra. No início, um éter de sons onde nada acontece vai substituindo o oxigénio da sala, transformando-se aos poucos no novo ar que respiramos. Se neste período adormecermos com o tédio, não faz mal: a explosão infernal que se segue encarregar-se-á de nos acordar. É esta a nossa parte preferida, quando Gira orquestra com precisão germânica o ataque do mesmo violento acorde perpetrado em simultâneo por todos os músicos, como se uma bola de demolição esmagasse sucessivamente a nossa cabeça. Só então percebemos a essência dos Swans: são o som em estado puro, chegando ao nosso corpo já não como uma intocável onda electromagnética, mas sim como uma substância tão corpórea e maciça como uma bigorna de ferro- um som que podemos agarrar, um som que nos pode aniquilar.
Mais vale ser cortado aos pedaços pelos Swans do que ser acarinhado por outra banda qualquer.
Fotografia: Inês Silva