Tiro de partida da vigésima terceira edição do Super Bock, Super Rock! Podemos afirmar que o rock marcou a tarde e a noite também se rendeu a ele. Foi positivo, este primeiro embate.
Início de Festival. Nova maratona de três dias pela frente. Estávamos prontos, depois de retemperadas as baterias algo esgotadas na passada semana. A abrir o Super Bock, Super Rock, o português de quem mais se fala atualmente no mundo da música e das canções. Alexander Search é um projeto que vai buscar o seu nome à persona inglesa do português Pessoa. O heterónimo escreveu poemas na língua de Sua Majestade, enquanto Salvador Sobral os canta, agora, dando-lhes, ele e a banda, a música que esses escritos nunca tiveram. Com look em palco a lembrar Campos / Pessoa, Sobral começou a desfolhar poemas (cantados e musicados) à hora marcada, abrindo assim a vigésima terceira edição do SBSR. As canções vivem da guitarra, piano, bateria e eletrónicas. Pena nem sempre se perceber a excelência das palavras. Como primeira apresentação pública do projeto, estiveram bem e fortes, ritmados, com um certo sabor a rock. A léguas de distância de quaisquer festivais de canções menores. Se Sobral procura uma nova “voz” artística que o distancie dos sons do jazz e daqueles que o fizeram “amar pelos dois”, é bem capaz de a ter encontrado. Poemas para musicar não lhe faltarão.
A onda psicadélica de Goiânia chegou ao Parque das Nações. O prazer que os Boogarins mostram em palco é já meio caminho andado para os adorarmos. Som alto, guitarras a destilar gozo por todas as cordas, os Boogarins sabem como fazer um bom concerto. E quando o baixo entra em ação, então é impossível não reagir com agrado redobrado. São grandes, mesmo sabendo que o mais recente disco é menor em canções orelhudas, embora maior em experimentalismo. Mas no palco, são as feras que já conhecíamos de outros concertos em solo luso. Longas partes instrumentais a pedir cabeça moldada a preceito, “sem parar, sem parar”, e sempre far out. Bem gostaríamos nós também de ter por cá os manos Carne Doce (beijo grande, Salma Jô, abraço forte, Macloys Aquino). Voltando ao concerto, as músicas de As Plantas que Curam foram as que tiveram melhor aceitação, o que se compreende, como a belíssima “Doce”, por exemplo. Mas o concerto valeu pelo todo, pelo empenho, pela pegada psicadélica que faz delícias aos ouvidos e carícias à mente. Calor dos trópicos por cima do nosso, calor lisérgico, calor bom!

A agitação dos Boogarins havia ficado para trás e fomos espreitar os Minta & Brook Trout, que fizeram o que esperamos sempre deles. Agora, o que se ouvia era a melancolia dormente da banda de Francisca Costesão. Não há rasgos de inspiração maior, mas há um som que não deixa de ser simpático para o quente final de tarde deste primeiro dia do SBSR. Com Bruno Pernadas menos exuberante do que é normal quando surge quando se apresenta a solo, os Minta & The Brook Trout fizeram a sua apresentação de forma morna, mostrando a personalidade mais ou menos própria do estilo que abraçam. As letras são bonitas e há nelas algo indefinível, algo que parece ter a beleza das tragédias, facto que joga a favor da banda. Mas o tempo corria e a pressa estava connosco. Daí até ao palco EDP foi um saltinho até pularmos ao som do rock dos The Orwells. Animação, agitação, um jeito muito próprio de Mario Cuomo estar em palco, a distorção destes americanos surgiu agradavelmente no momento em que o sol começava a mostrar sinais de querer partir, e uma brisa agradável prometia substitui-lo. Parece haver nos States alguma agitação à conta desta banda, mas o que mostraram, embora não fosse desinteressante, não nos pareceu à altura de tamanho hype.
E lá fomos nós espreitar como se apresentam, nos dias que correm, os The New Power Generation sem aquele que era a alma de toda essa gente que ontem animou o Palco Super Bock. Nostalgias dos eighties à parte, a verdade é que ainda conseguiram mexer com aqueles que os foram ouvir, mas… sentimos que falta ali alguma coisa, que na verdade todos sabemos o nome que tem: Prince, pois claro. O little man de Minneapolis fazia a diferença, não há quem duvide. Em palco tivemos o ritmo esperado, o swing esperado, mas faltou o astro catalizador capaz de unir tudo à sua volta. E quando, lá mais para o meio do concerto, apareceu Ana Moura, o melhor que poderíamos fazer era imaginar Prince Rogers Nelson ao seu lado, de guitarra e saltos altos, a dançar e a cantar da forma que todos ainda temos em mente. Quando assim é, fica sempre a sensação de um certo vazio que só a memória pode preencher. Para quem a tiver, claro.
Vamos lá agora ao rock mais sério, com mais espessura, grandes canções e riffs de primeiríssima safra. Falamos de Kevin Morby, pois claro. No Palco EDP, o texano mostrou o que lhe vai nas veias. Foi um concerto de exceção, do princípio ao fim, sem momentos de interesse menor. Percebe-se que o palco é a sua casa, e que Portugal gosta de o receber na nossa. A noite já tinha caído e à nossa frente, nos instantes em que o concerto decorria, a única coisa que nos passava pela cabeça é que o primeiro dia não nos poderia trazer nada melhor do que Kevin Morby. “Harlem River”, canção título do primeiro disco, foi um dos grandes momentos do show, assim como “City Music”, o tema com que abriu as hostilidades. Nas teclas, no primeiro momento que largou a guitarra, tocou “Destroyer”, momento arriscado de maior intimismo, mas que para nós valeu o céu, mais estrelado no palco do que fora dele. Grande, muito grande mesmo este rapaz.

Tarefa ingrata, a dos faustosos capitães. Tocar logo a seguir a Kevin Morby não era fácil, de tão bom que foi o concerto do americano. Chegámos mesmo à hora do início e o que vimos foi um mar de gente no recinto principal do Festival para ver o que os rapazes mais badalados do rock português do momento nos tinham para dar, embora se adivinhasse que o recheio maior do concerto iria ter como base o mais recente álbum da banda, o tal que se diz ser o da maioridade… Foram desfilando, portanto, uma a uma, as conhecidas canções de Capitão Fausto Têm os Dias Contados. É sempre bom ouvi-las, mesmo que já as saibamos de cor, tanto as “novas” como as mais antigas. Mas os Capitão nunca desilustram, nem enganam. Concerto interessante, onde naturalmente muito se dançou de copo na mão e cabeça no ar. Mas chegou a hora de “decidir”, até porque tínhamos “outras coisas em vista” e ainda fomos espreitar o nosso lendário Tigerman.
O pouco que conseguimos ouvir do concerto de The Lengendary Tigerman, deu para fazer crescer a curiosidade sobre o disco que sairá no íncio do ano de 2018, em janeiro. “Sleeping Alone” e “Blackhole” por exemplo, embora algo diferentes entre si, parecem mostrar que o caminho que Paulo Furtado resolveu seguir não se desvia muito do registo que tão bem lhe conhecemos. Será, seguramente, mais um disco para ouvir com o botão do som bem rodado para a direita. A guitarra, sempre a guitarra a passear pelo blues-rock, e também o saxofone a contribuir para um som intenso, seguro, sem facilidades nem habilidades orelhudas. Continua cru e de garras bem afiadas, o som de Tigerman. Misfit é o nome do disco que parece estar já gravado e que Paulo Furtado resolveu começar a rodar em palco, mesmo sabendo que todo o material tocado é completamente desconhecido dos ouvintes. Atitude arriscada, mas com personalidade. E nós gostamos e saudamos isso.

E se era festança aquilo que os milhares e milhares de festivaleiros queriam no quase final da noite de ontem, então os Red Hot Chili Peppers trataram-lhes da saúde. Rija e pronta a saltar a cada linha do baixo vibrante de Flea, a multidão quase ia deitando abaixo o MEO Arena com tamanho alarido. Pouco ou nada importa que muitas das canções dos americanos pareçam gémeas umas das outras. O que ontem a malta queria era pular, cantar e dançar freneticamente, à maneira de quem estava em cima do palco. Anthony Kiedis (com chapelinho à menino Tonecas posto na cabeça no início do concerto) lá foi debitando lengalengas que por vezes ninguém percebe, mas que encaixam bem nos ouvidos de quem também não está preocupado com aquilo que se canta. A poesia marcou presença na abertura do primeiro dia do Super Bock Super Rock, não ao final da noite. O rock dos RHCP prescinde bem disso, obviamente. Mas não do som meio punk, meio funk, meio psicadélico que lhes marca uma identidade muito própria e que os acompanha desde sempre. Apesar de acharmos que o MEO Arena tem algumas debilidades acústicas, a verdade é que ontem fomos todos corridos à estalada, tal a pujança do que se produzia palco. E nós, desordenadamente mas sem perdermos o estilo e a pose, fomos dando sempre a outra face até ao fim do concerto. Grande vulcão sonoro este, que há muito produz matéria sempre igual, mas que, a julgar por ontem, ainda está longe de se extinguir.
Para o fecho deste primeiro embate, houve ainda tempo para Tuxedo, e a dupla Xinobi e Moullinex. Mas o funk nostálgico e dançante dos primeiros somado às eletrónicas festivas dos segundos pareciam um pouco fora de mão, depois do dilúvio torrencial do rock muito particular do Red Hot Chili Peppers. Por isso, decretámos o fim da escrita com estas breves referências aos nomes acima mencionados.
Texto: Carlos Vila Maior Lopes || Fotografia: Francisco Pereira com Inês Gonçalves