O rock foi destronado ao segundo dia do SBSR. Em seu lugar, foi o Hip Hop a dar cartas. Mesmo destrunfados, fomos a jogo para não perdermos por falta de comparência.
Ao segundo dia, a escolha sobre o que ver e ouvir não era difícil. Pelo meio de demasiado hip hop num Festival que tem Rock no nome, foi tarefa fácil perceber para onde apontar a nossa atenção. Como do Canadá costuma vir coisa boa, o primeiro nome a ter em conta foi Jessie Reyez, menina que começa agora a despontar para a música. Fomos ouvi-la no Palco EDP. Apesar de influências hip-hopianas, há no que faz uma abordagem ao R&B que a salva de um certo marasmo onde muita desta onda mergulha e se afoga num ápice. Fez covers à guitarra e pouco mais. Ou melhor: o mais que fez, soube-nos a pouco. Sobrou a simpatia e o verdadeiro contentamento de ter à sua frente um público muito jovem que esse sim, a compreendia bem. O Generation Gap estava On de forma muito evidente. Falta dizer que tem boa voz e que tem a graça latino-americana que é ainda mais engraçada quando o calor aperta, o que foi o caso. Falou em traição, em putas, tudo isso com sotaque hermano. Seria interessante vê-la num dueto com Devendra Banhart, se ele estivesse para aí virado. Não sabemos verdadeiramente a razão de nos termos lembrado desse inusitado encontro artístico (na verdade, uma das covers que interpretou fez-me lembrar a belíssima “Will Is My Friend”), mas isso também pode bem ser o sinal de termos estado com a cabeça noutro sítio enquanto o concerto se desenrolava à nossa frente, o que é significativo de alguma coisa. Não é preciso dizer mais nada, pois não?

Slow J começou com uma espécie de samba-canção de “Não Me Mintas”, clássico do pai do rock português, Rui Veloso. Boa entrada, de facto. Depois, foi mostrando um rap que, de facto, aborda outras linguagens, e que, portanto, escapa ao “mais do mesmo” comum em tantos e tantos projetos do género. Há aqui algo diferente, mais rico, com mais substância e espessura, mas também há algum hype por parte da imprensa, parece-nos. Com o omnipresente Fred na bateria e o homem por detrás do projeto Francis Dale na guitarra e no piano, Slow J trouxe uma faísca de novidade, apesar dos tiques que nenhum hip-hoper pode (ou quer) largar. É estilo, compreendemos. Tivemos direito à versão de “Menina Estás à Janela” com muitas vozes em coro afinadas com a do músico. Não foi nada mau, não senhor. O rapaz tem o que muitos nem sequer percebem (ou suspeitam) não ter, e esse é o melhor elogio que lhe podemos fazer.
Pouca gente para ouvir The Gift. Muito pouca mesmo, sobretudo ao começo. Depois foi crescendo devagarinho, devagarinho, até deixar de ser o melindroso deserto inicial. E, no entanto, havia um Altar para adorar, desfiado canção a canção no palco do MEO Arena. Num dia que se fez à base de ritmos já por nós aqui referidos, colocar The Gift no cartaz de ontem pareceu coisa menos pensada. Mesmo assim “Big Fish” lá foi fazendo a habitual festa de pulos e palmas, assim como a mais antiga “Driving You Slow”. Boa presença em palco, excelente jogo de luzes, os The Gift e o seu novo espetáculo estão muito bem rodados. “Lost and Found”, do novíssimo Altar, embora menos irrequieta, foi mantendo a celebração em bom pé. Outro bom momento foi quando tocaram o single inaugural do disco deste ano, “Love Without Violins”. No entanto, enquanto que no palco a entrega era absoluta, o público parecia, pelo menos a espaços, que não se esmerava da mesma forma para os receber. A banda de Alcobaça merecia mais, mas a realidade é, por vezes, dura e cruel. Foi o que aconteceu.

À hora marcada, os primeiros sons sombrios e cheios de névoa dos London Grammar começaram a ecoar. Mais uma escolha algo duvidosa para o cartaz do dia de ontem, na nossa opinião. Não nos referimos, para já, à qualidade deste terceto londrino, muito menos à voz quente da belíssima Hannah Reid, muito mal tratada, aliás, pelo péssimo som do recinto. E assim, vê-la ontem, mais do que ouvi-la, como se percebe pelo que já fomos dizendo, foi uma pequena benção. No entanto, falando em música, o concerto nunca passou além da morna dolência típica dos London Grammar. Não chegaram a entusiasmar os que foram enchendo pouco mais de um terço do MEO Arena. Foi o que nos pareceu. Não se lhes pode pedir mais, porque o que conseguem dar também não é muito. E não nos encham a cabeça de comparações despropositadas. Eles não são os Portishead, e ponto final! Haverá certamente quem goste deles, mas nós só gostamos dela, e as razões não são exclusivamente musicais. Assim sendo, ao terceiro bocejo, fomos até ao Palco EDP.
Língua Franca é Portugal x Brasil, tanto em palco como em sotaque. No “ataque” luso, a dupla mista de Capicua e Valete. Já os “mano brasileiro” dão pelos nomes de Emicida e Rael. Com disco recente em carteira, o show foi decorrendo com o balanço que facilmente se adivinhava, misturando “abacaxi com chocolate”, entre outras inusitadas combinações. Fomos ouvindo, entretanto, temas que há muito sabemos pela voz da conhecida mulher do norte, misturando-se, assim, canções de projetos diferentes. Ouvimos “(A)tensão!”, “A Chapa é Quente”, “Ideal” e “Ela”, entre tantas mais. O objetivo era apenas um: diversão, para que, entretanto, se pudesse dizer a uma só voz, em ritmo e balanço próprios, que a “gente diverte-se imenso”. No fim, e como o jogo era amigável, deu empate.
A noite ainda tinha Future por acontecer, mas já pouco nos movia no sentido de ouvirmos mais um concerto de hip-hop. Por isso, em vez de haver em nós um “Turn On The Lights”, resolvemos apagar as luzes.
Texto: Carlos Vila Maior Lopes || Fotografia: Francisco Pereira