“Dah Dah Dah Dah Darah Da Da Da Da da Rah”. Quem nunca ouviu este riff ponha o dedo no ar, pegue numa faca, corte o braço aos bocadinhos e deite numa panela a ferver! Não se assutem… estou a brincar!
Estou a falar claro, de Smoke on the Water um dos hinos mais aclamados do Rock! Os seus autores são uns rapazes chamados Deep Purple que andam por aí há mais de 35 anos e que já venderam mais de 150 milhões de discos.
Formados em 1968, por dois músicos sedentos de fama e glória – Jon Lord (o mago do Hammond Organ) e Ritchie Blackmore (o feiticeiro da Fender Stratocaster) – os “Roundabout” (primeiro nome da banda) eram inicialmente financiados por John Coletta, um milionário americano disposto “a gastar umas massas no negócio da industria musical”.
Em poucos meses foram adicionados mais três membros: o vocalista “Tom Josiano” Rod Evans; o baixista Nick Simper e um baterista capaz de rivalizar com John Bonham dos Led Zeppelin – Ian Paice.
Esta primeira formação gravou três excelentes álbuns de música psicadélica – “Shades of Deep Purple” (1968); ” The Book of Taliesyn” (1969) e “Deep Purple”(1969) – que foram muito bem acolhidos nos EUA e muito ignorados no resto do mundo, especialmente no Reino Unido.
A falta de sucesso no país de origem, foi o tónico principal para a primeira mudança de formação! Saiam Rod Evans e Nick Simper e entravam em Julho de 1969 o vocalista Ian Gillan e o baixista Roger Glover ambos provenientes de uma banda folk chamada “Episode 6?.
Em 1969, Londres vivia a ressaca da festa psicadélica dos anos anteriores. Os Beatles estavam nas últimas; os Stones perdiam Brian Jones e o LSD não era só visões de “árvores cor de laranja e céu de marmelada”! Vários sons e várias bandas estavam a nascer: os progressivos ( ELP; Yes; King Crimson e Genesis) e os “rockeiros” (Black Sabbath; Led Zepplein e Uriah Heep)!
Foi nesta última que acabaram por se integrar os Deep Purple. Ajudados por Ian Gillan, um vocalista capaz de ir do suspiro ao grito numa escala de notas e por um baixista extremamente hábil em produzir no estudio, os resultados não se fizeram esperar.
“Deep Purple in Rock” saído em Julho de 1970 foi um marco na banda. O disco vendeu mais de 1 milhão de exemplares na Europa e mais de 500 mil no Reino Unido. Curiosamente a editora EMI, ao inicio quando ouviu as gravações achou que o álbum não ia vender nada e esteve quase para os depedir. Felizmente as coisas não deram para o torto…
1970 era o ano da consagração dos Deep Purple! Em Outubro, o grupo gravava com a prestigiada Royal Philarmonic Orchestra o “Concert for Group & Orchestra”, uma composição clássica de Jon Lord dividida em três “movimentos” que recebeu inúmeros prémios da imprensa britânica. A fechar o ano, o single “Black Night” atingia o top dos singles mais vendidos de Inglaterra.
A “Purplemania”alastrava por toda Europa, EUA, Japão e Austrália. Mas atrás do sucesso vem sempre algum problema. Apesar de se complementarem 100 % musicalmente, Ian Gillan e Ritchie Blackmore eram o “ying” e o “yang” do rock n roll. Muitas das suas discussões transportadas para o palco eram o melhor dos espectáculos, porém em estúdio, a tensão era insuportável.
Em meados de 1971 o grupo gravava o álbum “Fireball”. O álbum apesar de ter mais sucesso que”In Rock”, musicalmente não era tão forte. Alguma da imprensa acusava os Purple de serem demasiado experimentais em faixas como “Fools” e “Demon´s Eye” e demasiado comerciais em “Strange Kind of Woman” e “Fireball”.
Contudo, a melhor maneira de calar as críticas é dar-lhes uma grande resposta. “Machine Head” de 1972, foi o álbum mais dificil que os Purple gravaram, mas também certamente o mais inspirado.
O disco estava para ser gravado inicialmente num teatro do “Casino de Montreaux,” mas na véspera o local ardeu durante um concerto do Frank Zappa, ao qual o próprio grupo assistia.
Em 10 minutos o fogo espalhou-se por todo o complexo, tendo ardido mais de um terço da baixa da cidade. No dia seguinte, o baixista Roger Glover ao acordar na varanda do seu hotel, olha para a cidade destruída á beira do lago Geneva e exclama “Smoke on the Water”.
Ao inicio o grupo estava relutante em usar a ideia de Glover. Mas quando o riff de Blackmore apareceu e as palavras de Gillan começaram a sair…nascia a lenda! Smoke on the Water, vendeu mais de três milhões de singles nos EUA, tendo sido entre 1972/1973 a canção mais passada nas rádios Fm!
Entretanto em Agosto 1972 a banda em tourné pelo Japão era convidada pela editora local a fazer um álbum ao vivo. Gravado em dois espectáculos em Osaka e um em Tokyo (o famoso Budokan), “Made in Japan” é considerado por muitos um dos melhores álbuns ao vivo de sempre da história do rock.
Do início de “Highway Star”, passando pelo épico “Child in Time” e indo até “Space Truckin”, os Purple fazem-nos viajar por milhões de escalas e notas musicais capazes de porem a nosso cérebro a andar á roda. Se fumarem um “porrozito” a ouvirem isto garanto-vos uma viagem de ida e volta a Marte com paragens em Saturno e Titâ.
Nesse disco, a versão de “Strange Kind of Woman” é soberba…a uma certa altura a troca de solos entre a voz e a guitarra fazem-nos pensar se a voz de Gillan não é uma “Fender Stratocaster” igual á de Blackmore!!
Infelizmente toda esta química não estava para durar. Em Julho de 1973, depois da saída do álbum “Who Do We Think We Are”, Ian Gillan anunciava a sua saída do grupo. O vocalista farto das pressões da industria; da vida “mundana” das digressões norte americanas e das birras de Ritchie Blackmore, não voltaria a tocar ao vivo até 1976.
A saída de Gillan deixava uma posição dificíl de preencher. Contudo os restantes membros não baixaram os braços e começaram a procurar um substituto á altura…
Durante as audições para um novo vocalista, Roger Glover era despedido da banda por questionar “demasiado” o rumo musical que a banda estava a tomar. O castelo de cartas dos Purple parecia-se estar a desmoronar aos poucos…
Sem vocalista e baixista, Blackmore, Lord e Paice pensaram em separar-se de uma vez por todas, mas quando ouviram Glenn Hughes num bar em Los Angeles, o caso mudou de figura.
Glenn Hughes era o baixista e vocalista de uma banda inglesa chamada “Trapeze“, pioneiros de um estilo que depois imortalizou os ZZ TOP: o Boogie Rock! A sua voz não ficava nada atrás dos agudos de Gillan e o seu estilo de baixo era mil vezes mais virtuoso que o de Glover. Tentem imaginar um Flea dos Red Hot Chilli Peppers com visual de metaleiro e um vozeirão misto de Stevie Wonder e Robert Plant. Parecia um casamento feito no céu…
Porém o enigmático Blackmore, não se sentia satisfeito com o “dois em um”! Ritchie preferia uma voz mais “bluesy”, com um registo mais grave.
Quatrocentas e vinte audições depois e dois meses de agonia, aparece um “puto” vindo do noroeste de Inglaterra: David Coverdale!
Coverdale nunca tinha cantado profissionalmente e trabalhava como vendedor de” jeans” numa boutique em Redcar. Um amigo da loja, viu no jornal “Melody Maker” que os Purple precisavam de um vocalista e lembrou-se de David poderia candidatar-se ao cargo, já que o mesmo tinha gravado á pouco tempo uma “demo-tape” com o grupo “Fabulosa Brothers”! Quando a demo chegou aos escritórios dos Purple em Londres, Blackmore e Lord não hesitaram em contratar o “puto”…
Com esta nova formação e entusiasmo rejuvenescido, o grupo volta a Montreaux para gravar o álbum ” Burn” em finais de 1973. No dia 29 de Dezembro desse ano, o grupo recebia a informação da revista Billboard de que todos os seus álbuns de estudio se encontravam no top 200 e que “Made in Japan” era dos 5 mais vendidos nos EUA.
1974 seria mais um ano em grande para os Purple. A 6 de Abril o grupo tocava para mais de 400 mil pessoas no festival “California Jam” em conjunto com os Black Sabbath, Eagles e Emerson, Lake & Palmer. O grupo era uma máquina de fazer dinheiro: cobrava 40 mil dólares por espectáculo e as vendas de discos cifravam-se nos 18 milhões.
Mas como nem tudo são rosas…no final de 1974, o imprevisível Blackmore anunciava a sua saída do grupo, após a gravação de “Stormbringer“. Felizmente para os fãs, uma digressão europeia já estava marcada e o guitarrista era obrigado a cumprir os contratos.
Algumas destas datas de despedida foram das melhores de sempre em que o grupo actuou. Os shows de Paris e Berna haveriam de resultar no álbum “Made in Europe”. Oiça-se com atenção os solos de voz e guitarra de “Mistreated”, que fazem chorar as pedras da calçada. Ou mesmo as guitarras potentes e ferozes de “Burn” e “Stormbringer” para pular e gritar por mais.
No final da digressão, Blackmore formaria os Rainbow com o vocalista Ronnie James Dio, partindo para outros voos de “peso”. Os outros começavam a fazer contas á vida…
A primeira reacção foi desistir. Como dizia e bem Jon Lord: “Ritchie era a fábrica de músicas da banda”. Era impensável continuar sem o “mestre das cordas de aço”…o homem dos “riffs de fogo”.
Coverdale pensava de maneira diferente. Para quê desistir? Se o génio “morreu”, arranje-se outro. Esse outro encontraram-no na praia de Malibu no verão de 75, sob o nome de Tommy Bolin.
Thomas Richard Bolin, era um nativo do mid-west americano, descendente de indios sioux. O seu primeiro instrumento foi uma bateria. Mas quando tinha 14 anos, depressa percebeu que o seu futuro estava numa viola electrica “fender”. O seu jeito rápido, a sua capacidade de improvisação (ora rock, ora Jazz) fizeram-no um dos guitarristas mais procurados pelos estúdios da América no inicio dos anos 70.
Bolin tocou com todos os mestres do Jazz-Rock: John McLaughlin; Billy Cobham; Jan Hammer; Otis Rush; Jeremy Steig, Jeff Beck, entre outros. No entanto o rock e o dinheiro falavam mais alto e em finais de 73, Bolin juntava-se ao colectivo James Gang, muito popular na altura nas terras do tio Sam.
Em Junho de 1975, Bolin estava desmpregado e tentava desesperadamente obter um contrato para gravar um álbum a solo. Quando Coverdale e Hughes o convidaram para fazer parte da banda, Tommy não hesitou.
O álbum “Come Taste the Band” foi o disco menos vendido dos Purple nos anos 70. Apesar disso, ele revelava uma grande capacidade de inovação (pouco comum em bandas Hard Rock). Escute-se os calmos “You Keep on Moving” e “This Time Around”; os funky “Gettin Tighter” e “Love Child” ou até o “Heavy” “Comin Home”, para se perceber que este era uma quimica de músicos excepcionais e que o génio de Bolin não ficava nada a dever ao de Blackmore.
A tempestade estava para vir depois, quando o grupo iniciou nos finais de 1975 uma digressão mundial…
Tommy começava a revelar o seu lado negro. Recém chegado a um mundo onde as drogas se podem comprar em qualquer lado e em qualquer momento, Bolin tornou-se um viciado em Heroína. Muitas das suas “performances” deixavam muito a desejar nas digressões Asiática e Australiana. Para ajudar a este problema, Glenn Hughes tornava-se um dependente da Cocaína.
Muitas histórias e peripécias se contam desta tournée, mas quando o “circo” chegou ao continente norte- americano as coisas piaram doutra forma.
O álbum ao vivo “On the Wings of a Russian Foxbat” mostra o grupo na sua melhor forma, capaz de rivalizar com a formação dos tempos de Ian Gillan.
Apesar deste “breve” regresso á forma, o excesso de drogas, alcóol e egos á mistura continuavam a ser o dia-a dia da banda.
Em Maio de 1976, Coverdale anunciava inesperadamente a sua saída da banda num concerto em Liverpool. Jon Lord e Ian Paice cansados de mais uma mudança na formação, comunicavam aos managers e à imprensa, o fim dos Deep Purple…
Primavera de 1976. Os fundadores da banda Jon Lord e Ian Paice ao fim de 8 anos de árduo trabalho, 40 milhões de discos vendidos e quatro mudanças de formação anunciavam o fim dos Purple. Razões musicais invocavam os dois veteranos…
Porém David Coverdale, alguns meses mais tarde após a morte de Tommy Bolin (em Dezembro de 1976) por overdose de heroína explicava o porque do afastamento ao jornal New Musical Express: “Quando pertences a uma banda com o dinheiro e a fama dos Purple, perdes um bocado o sentido da realidade…achas que tudo te é permitido…incluído as grupies, as drogas, as tournées mundiais, o dinheiro…aquilo era 24 horas, 7 dias por semana! Parecia irreal…mas a a parte má é quando acordas um dia e vês a foto de um amigo como o Tommy Bolin, morto num hotel por overdose de heroína! Foi por isso que eu me afastei…Tommy mesmo depois da separação não soube parar com esse estilo de vida! Era um viciado…se calhar eu teria acabado da mesma maneira se tivéssemos continuado mais 6 meses…”
Em 1977, em pleno período Punk, surgem no mercado os primeiros projectos a solo: Lord e Paice juntam-se ao vocalista Tony Ashton no grupo PAL; Glenn Hughes publica o funky “Play Me Out” e David Coverdale forma os lendários Whitesnake. Estes últimos, de todas as bandas nascidas pela morte dos Purple, foram sem dúvida o projecto com mais sucesso.
Foi preciso esperar mais uns anitos para que o interesse no Hard Rock voltasse a crescer e com ele a chama dos Deep Purple. Em 1980 um empresário sem escrúpulos juntou Coverdale e Blackmore na mesma sala e ofereceu-lhes 5 milhões de dólares se voltassem a tocar juntos sob o nome de Deep Purple acompanhados por músicos desconhecidos (e baratos). Na altura, tantos os Whitesnake como os Rainbow vendiam milhões de discos e enchiam qualquer sala. Tanto um, como outro acharam um insulto a proposta do dito empresário.
Contudo, o maldito empresário não desistiu facilmente. Foi bater á porta do primeiro vocalista da banda Rod Evans, na altura estudante de medicina na Universiade da Califórnia e convencendo-o de que ele com mais uns músicos baratos podiam voltar a tocar sob o nome Deep Purple.
Uma digressão pelo continente Norte-americano foi rapidamente marcada. A notícia caiu que nem uma bomba entre os media – “Os Purple estavam de volta” – milhares de bilhetes esgotavam em minutos. O pano ainda estava por cair…
O primeiro concerto estava marcado para Abril de 1980 no prestigiado Los Angeles Forum. Às 9 em ponto apagam-se as luzes, e a “pseudo-banda” entrava em palco ao som de “Highway Star”…parecia um sonho. Mas em minutos a fantasia de ver os Purple juntos deu lugar ao pesadelo. Os músicos estavam mal ensaiados, o som não prestava e já ninguém se lembrava de Rod Evans. Não tardarem em chover os assobios, os pedidos de devolução dos bilhetes e os tomates…
Em Inglaterra, os restantes membros da banda ao saberem dos esquema fraudulento da banda de Evans e do seu malvado empresário deram entrada com um processo no Supremo Tribunal Norte-americano para por fim à palhaçada.
No final do julgamento Rod Evans foi humilhado pelos seus antigos colegas e foi obrigado a pedir desculpas publicamente. Quanto ao dito empresário, a prisão e a restituição do dinheiro ganho fizeram-lhe melhor justiça…
Após este aparatoso episódio, não tardou a que Ian Gillan e Ritchie Blackmore se voltassem a juntar a Roger Glover, Jon Lord e Ian Paice em 1984 para um verdadeiro regresso dos Purple à ribalta…