Os portugueses não conhecem Sébastien Tellier. Ou, emendando o que disse para não correr grandes riscos, conhecem-no mal. No entanto, surge agora uma nova e imperdível oportunidade. L’Aventura é o seu mais recente trabalho, e como já vem sendo hábito, será improvável que o venham a descobrir à venda por cá. Uma coisa está ligada a outra, já se vê, e o que referi nas primeiras linhas talvez se entenda melhor face à aposta nula na comercialização de artistas menos mainstream. Já agora, e apenas para esclarecimento geral, este músico francês até já concorreu ao Eurofestival da canção como representante do seu país (onde confessadamente atuou bêbedo, mas que apesar de ter barbas e ser homem, não saiu vencedor dessa edição de 2008), facto que talvez nem seja muito abonatório para a carreira que vai tentando solidificar. Na verdade, de Sébastien Tellier pode esperar-se tudo, uma vez que a excentricidade sempre foi marca da sua afirmação pessoal / musical, característica que desde o início acompanhou algumas das suas performances.
O disco que agora se pode ouvir, sem margem para dúvidas, é o mais acessível de todos os que gravou, desde o inaugural L’Incroyable Vérité (2001) até ao anterior Confection (2013). Entre o primeiro e o penúltiplo, alguns dos seus bons momentos contemplam discos como Sexuality (2011) e My God Is Blue (2012), por exemplo, tendo já feito, inclusivamente, a banda sonora original do filme “Narco”, de Tristan Aurouet e Gilles Lellouche.
Pode dizer-se que Sébastien Tellier decidiu mudar de ares. E fê-lo literalmente, uma vez que para gravar L’Aventura, deslocou-se ao Brasil, e por aí permaneceu até à conclusão do projeto. Talvez por isso se note alguma tropicalidade sonora no registo geral das canções, talvez por isso se entenda um ou outro apontamento bossanovístico, mas coisa ténue, mesmo assim. O que me parece mais marcante é o conceito por detrás deste novo álbum. Tellier terá desejado fazer um disco ligado ao imaginário da sua infância, mas transportando-a para uma fantasiosa ideia sonora e visual do nosso pais irmão sul-americano, claramente muito distante da do seu país natal. Agarrou-se a essa ideia, e muniu-se de nomes de peso como Jean-Michel Jarre e Philippe Zdar. Mais ainda: juntou-se aos celebrados Arthur Verocai e Robertinho Silva, apenas para referir os nomes mais sonantes, e atirou-se de cabeça. O resultado não poderia ser melhor, uma vez que acertou na mouche. L’Aventura vai passando, faixa após faixa, como um sopro de vento (que nem vento é, antes brisa tépida que vem para nos provocar prazer), misturando spacey synth-pop com jazz latino, sons de alguma densidade gainsbourguiana com a limpidez madrugadora e livre do universo da bossa e do samba em modo soft. O disco tem pouco mais de 50 minutos de duração, e as 10 canções que nele encontramos acomodam-se bem umas às outras, apesar de terem extensões que variam entre os quase 3 minutos (“L’Amour Carnaval”) e os 14 e picos (“Comment Revoir Oursinet”). É difícil escolher as canções que mais me agradam neste álbum, mas mesmo assim arrisco “L’Adulte”, tema cuja letra mostra bem o conceito do disco. Ou “Ricky L’Adolescent”, que nos conta a história de um homem (supostamente Tellier) que se encontra a si mesmo, com 15 anos, e que odeia a pessoa que tem à sua frente. Sébastien Tellier confessou ter tido uma infância e uma adolescência muito estranhas, quase tenebrosas, afundando-se em drogas e outras peripécias igualmente perniciosas. Daí a ideia de recontar a sua triste história de vida, transpondo-a para um cenário menos sério e mais feliz (por comparação a França e à Europa pesadamente civilizada), a terra brasilis que sempre imaginou ser um espaço de ingenuidade, liberdade e diversão. Para mais esclarecimentos, ouça-se a belíssima “L’Enfant Vert” e escute bem os seus versos. Tudo se tornará mais claro.
Valeu a pena a viagem!