O disco de estreia dos The Rite of Trio não é (só) jazz nem é (só) rock, e essa é sua maior virtude. É no cinzento que eles estão bem – e é também aqui que poderão continuar a crescer, alheio a quaisquer questões de cariz mais académico.
A pergunta é feita, no disco, logo ao início: “Sabes tocar jazz?”. No entanto, poderia ser substituída por outra, bem mais pertinente: “Sabes o que é jazz?”. Mais de um século após a sua origem nas comunidades afro-americanas de Nova Orleães, ainda é difícil definir com rigor aquilo que constitui, ou não, jazz. Para muitos puristas, o jazz acaba com as experiências free e avant-garde do meio do século; para outros, é precisamente este grau de experimentação e improvisação que constitui o verdadeiro jazz, primitivo e sem regras. É um bocado como colocar na mesma mesa redonda os mestres do rock progressivo e os punks… Todos estrebucham e, provavelmente, ninguém será dono da razão absoluta.
Portanto: não importa saber se os The Rite of Trio sabem tocar jazz ou se isto é jazz sequer. Até porque a música está acima disso. Tem semelhanças, claro, com o género, não só ao nível da instrumentação usada mas também dos tempos e variações. Mas, por outro lado e principalmente, bate tão duro como os discos rock que tendemos a mitificar. Nem o poderia ser de outra forma, visto que é conhecido o apreço dos membros dos Rite of Trio – que, como o nome indica, são um trio – pela forma mais eléctrica de se fazer música.
Quando ouvimos essa pergunta logo aos primeiros segundos de “Serious Business” sabemos, assim sendo, qual é o mote inteiro para GETTING ALL THE EVIL OF THE PISTON COLLAR!, statement feito todo em maiúsculas e com exclamação no final para que não se perca no vazio informativo: colocar três rockers a tocar jazz, ou pelo menos a tocar aquela que é, para si, a sua definição de jazz. Experimentar com o género, baralhar, voltar a dar, até que o corpus final a isso se assemelhe. Não ser inteiramente uma coisa nem outra – isto é, navegar no cinzento sem optar por fincar bandeira no preto ou no branco – é a sua maior virtude, e o maior elogio que os The Rite of Trio podiam fazer aos improvisadores de todo o mundo.
Uma improvisação que até parece estar bem patente nos próprios títulos dos temas aqui incluídos: “Grab A Chair, Pick A Card”, “Slightly Out Of Tone”, “Challenging A Jazz Demigod”… Todos eles parecem indicar o sentimento de partida dos The Rite of Trio; erguer o dedo do meio aos puristas, e colocá-lo depois na guitarra (para um doce sabor a feedback ou um riff de se colar ao goto), no contrabaixo (dando azo ao groove indispensável) ou na bateria (para a porrada, mesmo). Por outro lado, ainda existirão puristas no jazz – exceptuando Wynton Marsalis – ou terão sido, todos eles, engolidos pela revolução ribombante da realidade?
Colocar Rainer Maria Rilke, ou as suas palavras, a fechar o álbum só demonstra a confiança que estes três músicos têm no seu próprio trabalho – escapar ao medo, figurado ou não: “isto é jazz?”; “isto é a nossa visão?”; “isto demonstra, na plenitude, o que sabemos fazer enquanto unidade?”. So through the falling torrent of our fears / Our joyous force leaps like these dancing tears, citam eles, coadjuvados pela voz de Beatriz Nunes. GETTING ALL THE EVIL OF THE PISTON COLLAR! não é apenas título ou statement, é prova de uma força que gostaríamos de encontrar (também!) noutros lados. Talvez este disco possa servir-lhes de inspiração.