Ao quarto álbum, J. Cole cimenta-se como um dos líderes de um hip-hop adulto, intricado e pessoal, mas aberto a outros géneros, como o R&B e o jazz. Longe da febre radiofónica, é um exercício maduro de beleza que promete perdurar, vindo de um olhar que parece observar, de longe, o histronismo dos dias.
Os A Tribe Called Quest bem avisaram, no tema “Dis Generation”, que integrou o último álbum do grupo: Talk to Joey, Earl, Kendrick and Cole, gatekeepers of flow / They are extensions of instinctual soul / It’s the highest in commodity grade / And you could get it today. Um mês depois chegou a primeira resposta, via 4 Your Eyez Only, de J. Cole. Uma resposta de alto gabarito.
É bonito ver referências a apadrinharem os novos craques, melhor ainda quando têm olho para a coisa e sabem distinguir o essencial do acessório (e não faltam por aí, no hip-hop como noutros géneros, malabaristas das palavras, mestres da banalidade que daqui por bons anos serão recordados com embaraço).
No seu novo álbum, J. Cole – que já se vinha aproximando da mestria desde, pelo menos, Born Sinner, de 2013 – encontra, ou pelo menos cimenta, o seu lugar no panorama hip-hop norte-americano. É fácil encontrar algumas referências (por exemplo, a de Nas), mas é difícil não reconhecer que cada vez mais Cole vai fazendo erguer uma voz própria, criando uma musicalidade singular, que parece pintar com a mesma delicadeza e maturidade paisagens interiores (o amor, a obsessão com a morte, a espiritualidade e a fama, o cansaço e os demónios) e exteriores (as críticas ao consumismo, à prisão imposta pelas tecnologias, ao racismo e aos estereótipos).
Onde outros são expansivos e viscerais, Cole é introspectivo e “quente”, num exercício de depuração lírica e instrumental (a delicadeza e bom gosto dos arranjos, cheios de alma, do piano ao baixo, do violino ao trompete, e por aí em diante) que atinge o pináculo em canções como o tema-título e “She’s mine Pt. 1” (vale a pena para abrir um longo parêntesis para colocar um excerto fabuloso desta última: I would like to paint a picture, but it’ll take more than a day / It would take more than some years to get all over all my fears / Preventing me from letting you see all of me perfectly clear / The same wall that’s stopping me from letting go and shedding tears / From the lack of having father and the passing of my peers / While I’m too scared to expose myself / It turns out, you know me better than I know myself).
Mais do que a força ou poder de temas específicos (o disco parece pouco radiofónico e, estando longe de conhecer o seu impacto, diria que será difícil ter aqui um single que fique na história), 4 Your Eyez Only vale sobretudo como peça compacta, que parece marcar a diferença face a quase tudo o resto que a rodeia, dentro do género. E parece também um disco que, pouco dado a estéticas modernas (aquelas de que muitos aproveitam, porque é preciso entrar na crista da onda…), envelhecerá bem, num canto só seu. Chamem-lhe soulful (está impregnado de R&B e jazz), chamem-lhe obra de um espírito singular. Chamem-lhe o que quiserem, porque o tempo tratará de o preservar.
The ignorance that make a nigga take his brother life
The bitterness and pain that got him beating on his wife
Niggas die over bitches, disrespect, and dollar bills
Bloodshed that turned the city to a battlefield
I call it poison, you call it real (pop, pop, pop, pop)
That’s how you feel?
“Change”, J. Cole, 2016