Mil novecentos e oitenta e quatro – apenas um ano depois de lançarem o álbum de estreia, eis que os Metallica fazem nascer o que é um dos melhores álbuns da sua carreira. Ride the Lightning, o segundo álbum de estúdio do quarteto norte-americano, marca uma mudança face ao anterior Kill ‘em All: músicas com composições mais estudadas, jogos de tempos e ritmos, solos consistentes e letras estudadas.
Gravado na Dinamarca, a terra natal do baterista Lars Ulrich, numa altura em que os Metallica pouco ou nenhum dinheiro tinham, o álbum conjuga, num trabalho mais cuidado, duas presenças que marcaram inevitavelmente a banda: Dave Mustaine, que fundou os Megadeth depois de ter sido expulso, ainda aparece creditado em algumas músicas; e Cliff Burton, o baixista genial que usava o baixo quase como guitarra e que morreu num acidente do autocarro onde a banda seguia, em 1986.
O disco tem tudo: a abrir, “Fight Fire With Fire”, com uma intro ligeira de guitarra dedilhada (um elemento relativamente transversal ao disco, já que acontece o mesmo noutras músicas, que têm introduções que podiam viver por si só, como “Fade to Black” – mas já lá vamos) para depois abrir no portento de guitarra e bateria pesada típico do thash metal. E é sempre a subir: “Ride the Lightning”, a faixa que dá nome ao disco – e o que os prisioneiros chamam aos condenados à cadeira elétrica – é um tema gigante de solos densos de guitarra, bem compassados, acompanhado de uma bateria potente e com uma letra densa sobre culpa e morte. Em músicas como “Fade to Black” ou “Creeping Death” vemos esse cuidado com as letras, enquanto em temas como “For Whom the Bell Toes” (a terceira faixa do disco) o que nos atinge é o portento do instrumental, sobretudo da guitarra.
E é em “Fade to Black”, a quarta faixa de Ride the Lightning, que me quero alongar. A começar pela introdução dedilhada de baixo e guitarra chorosa, num tom que vai subindo até um ritmo de certo tom espanhol e com um toque acústico, minuto e meio de instrumental tão perfeito que quando a voz de James Hetfield nos chega – num tom bem mais tranquilo do que em todas as músicas anteriores – até nos surpreendemos. De Metallica, de guitarra, de riffs intensos só a partir do minuto dois. E sabemos, conseguimos antecipar, que algo de incrível vai acontecer porque não é possível (nesta altura, pelo menos, ainda não era), uma balada (foi a primeira), uma música de Metallica tocada com tanta tranquilidade estrangulada, sem um crescendo para coroar o brilhantismo do baixo de Cliff Burton e da guitarra de Kirk Hammett. E este chega, finalmente, quase no minuto quatro, para depois nos segurar num solo vertiginoso de guitarra que ocupa praticamente os últimos dois minutos da música.
E depois há faixas como “Creeping Death”, o primeiro single retirado de Ride the Lightning, onde não falta um épico solo de guitarra e a fechar “The Call of Ktulu”, um poderoso instrumental de oito minutos que nos faz querer ouvir o disco todo outra vez.
Parece estranho que, apenas um ano depois de se terem afirmado como banda com o seu disco de estreia, os Metallica tenham lançado um disco tão completo, tão bem estruturado, tão cheio de temas brilhantes e icónicos. É por muitos considerado a obra prima da banda, a par com Master of Puppets, o álbum seguinte, apesar do estrondoso sucesso de vendas de Metallica (ou Black Album).
A diferença em Ride the Lightning parece estar na emoção que a banda lá colocou. Ainda verdes, ainda a crescer, deram um salto qualitativo gigante face ao primeiro disco e criaram uma obra enorme para uma banda com apenas três anos de existência. E as letras sobre morte, guerra, suicídio e auto-descobrimento, de construção cuidada, coroam um disco de composição musical tão brilhante e equilibrada, entre os solos lentos e as baterias e guitarras violentas. As expectativas tornaram-se mais elevadas, não só para os Metallica mas para o trash e heavy metal no geral.