
Há precisamente 20 anos começava a saga dos festivais Super Bock Super Rock. Estávamos em 1995, ainda em período ressaca do grunge, e a Gare Marítima de Alcântara recebia nomes fortes como Jesus and Mary Chain, Faith No More, Therapy?, Morphine, The Cure e The Young Gods. Estavam lançadas as sementes para uma marca de festival que conheceu várias localizações e moldes diferentes.
O auge do Super Bock Super Rock (SBSR) terá sido no Parque Tejo, não muito distante do lugar onde este ano se realiza o 21º SBSR. Um formato semelhante ao utilizado no Alive. Festival citadino, em chão de pedra com vários palcos e, principalmente, ao ar livre. De 2004 a 2007 as coisas pareciam estar bem encaminhadas para que a marca se fixasse naquela zona de Lisboa. No entanto, a partir de 2008 o SBSR andou em bolandas por Lisboa, Porto e outras cidades até que em 2010 se mudou de armas e bagagens para o Meco, prometendo sol e rock. Um outro elemento (pó) intrometeu-se na equação e fez com que o festival fosse perdendo a força para se fixar no Meco, para muita pena de alguns e alívio de outros.
Em 2015, a organização apareceu com outra ideia para o SBSR. Voltou ao Parque das Nações, não para o Parque Tejo mas sim para a zona nobre da antiga Expo 98 e pode ter ganho a aposta, mas terá ainda algumas arestas a limar, mas já lá vamos. Primeiro a música.
Um concerto de King Gizzard and the Lizard Wizard por dia não sabe o bem que lhe fazia. Uma hora de puro delírio, de pura fantasia. Com já seis discos e dois EPs editados, a narrativa fantástica dos australianos ecoou pela “pala” do Pavilhão de Portugal (palco EDP) num início de festival que não poderia ter sido melhor. O krautrock – marcado pela força de duas baterias – foi definitivamente a receita para o sucesso, já que a batida pulsante e rápida provocou moches violentos ao longo de várias canções. A sequência imparável de “I’m In Your Mind”, “I’m Not In Your Mind”, “Cellophane” e “I’m In Your Mind Fuzz”, do disco I’m In Your Mind Fuzz, foi uma das mais inacreditáveis do concerto, sendo constantemente resgatada entre outras canções (algumas delas novas), tornando o concerto numa sinfonia total, onde as músicas eram apenas secções e variações de um só tema. Para fora da motorika saíram os King Gizzard para “The River”, o tema de abertura do último disco – Quarters -, saído em Maio. Nessa mesma canção, a banda incursou por territórios menos usuais, mais jazzísticos e calmos – ainda que, ao vivo, a tenham acelerado. O suor encharcava camisolas, a sede secava os corpos e o concerto tinha de acabar, para dar lugar a Perfume Genius.
Mike Hadreas (Perfume Genius) está cada vez mais refinado na própria arte. “Longpig” e “Queen” funcionaram particularmente bem, numa actuação que variou entre os movimentos ondulantes da peculiar dança de Hadreas e canções em que cantou sentado, num registo mais íntimo. Hadreas ultrapassou problemas iniciais, tendo sido forçado a adiar o concerto por alguns minutos, por quebra de electricidade logo nos primeiros acordes, com uma incursão pelo público, distribuindo abraços por toda a gente. Grande. Perfume Genius será, idealmente, um concerto que deve ser visto de noite – mas este final de tarde não esteve nada mal.
Deixando o palco EDP, fomos ao encontro da “besta” do festival, o imprevisível MEO Arena (anteriormente conhecido como Pavilhão Atlântico). Vindos da luz estival que se fazia sentir no Parque das Nações, não podemos deixar de realçar o choque que foi para os nossos sentidos entrar no pavilhão. Acreditamos mesmo que esta tem que ser uma das tais arestas a limar. Na impossibilidade de ter todos os concertos ao ar livre (melhor opção), a solução ideal seria passar a ter os shows apenas quando o sol se pusesse e a noite chegasse, desta forma a transição entre palcos seria muito mais suave e até aceitável. A rever. Quanto aos Vaccines, estes prometeram o verão eterno no seu primeiro disco, What Did You Expect From The Vaccines?, porém a realidade, após mais dois discos, é outra, e o seu som já se tornou algo esquecível, valendo apenas pelos singles, como “Handsome”, “20/20” e “If You Wanna”, faltando claramente “Post-Break-Up Sex”.
O ambiente no MEO Arena estava morno e com o fim do concerto dos Vaccines esperava-se uma maior enchente para Noel Gallagher e os seus High Flying Birds, a metade mais criativa e adulta dos Oasis, uma das grandes bandas dos anos 90 e da britpop. Ora, o manto protector de uma banda, permite que muitas músicas, por vezes até desinteressantes, se tornem quase tão grandes como os seus maiores hits (olá U2), porém o mesmo fenómeno normalmente não acontece a solo. Convenhamos, “Everybody’s On The Run”, “Lock All The Doors” ou “What a Life!” não chegam para ombrear com qualquer música dos Oasis. Não porque são más mas porque não colam, não parecem ter sido feitas para estar ao lado de “Whatever” ou “Don’t Look Back in Anger”. Aliás, os cinco temas da banda de Noel e Liam (além das duas já citadas, juntaram-se “Champagne Supernova, Digsys’s Dinner e The Masterplan) foram os momentos altos da noite, permitindo a Noel, pouco falador mas bem disposto, agarrar o público e transportar a magia da banda de Manchester para os dias de hoje, quase conseguindo o milagre de meter o público a desejar um regresso dos Oasis, eles que nem sempre foram muito bem-vistos ou recebidos em Portugal.
Para os menos interessados na nostalgia dos 90s britânicos, havia Gala Drop no palco Antena 3. Com uma plateia demasiado pequena para uma banda tão excelsa – já que Gallagher enchia o maior palco -, os lisboetas foram a catarse total das dez da noite. Ritmos e teclados baleáricos, perfeitos para o final de quinta-feira, paisagens sonoras importadas dos trópicos e, simultaneamente, de sistemas estelares longínquos, congas selvagens e sedutoras na mão de Jerry The Cat. Ainda que o público não fosse imenso – foi aumentando ao longo do tempo, com os desistentes de Noel Gallagher e os já jantados -, o clima intimista fez com que um grupo de raparigas começasse a sua própria roda de dança, pela terceira música. Mais e mais curiosos iam chegando e, pela altura de “Sun Gun” já se juntava uma quantidade de pessoas considerável em frente ao palco Antena 3. Sentimo-nos em Ibiza, perdidos no tempo, em lugares desconhecidos e memórias de juventude e ausência de responsabilidades. Sentimo-nos etéreos e imortais. E eis que entra “Slow House” para liquefazer o cenário circundante do palco, público incluído, graças aos sintetizadores húmidos, ao wah da guitarra e a um baixo concentrado. Música quentinha e tropical para a primeira noite do Super Bock Super Rock 2015, que nos mostrou o mundo tal como ele é – diverso e perfeito na sua imperfeição. Depois de “Let It Go”, com problemas técnicos que não fizeram esmorecer ninguém, os Gala Drop escolheram um tema inédito para terminar – antes de umairresistência em não tocar mais uma -, uma infusão de house, cowbell e tantas outras coisas que só eles nos sabem dar.
De volta ao Palco EDP, pudemos ver que SBTRKT percebeu que os seus concertos não resultavam sem Sampha – a voz principal das suas canções. Daí que no Super Bock Super Rock deste ano o concerto tenha resultado melhor que nas passagens anteriores pelo país. Além da voz, Sampha ajudou na percussão e no encorajamento do público, que aceitou perfeitamente o convite. Com um Pavilhão de Portugal a rebentar pelas costuras, tanto em público como em batidas contagiantes, o britânico juntou as canções de SBTRKT e Wonder Where We Land como se fossem do mesmo disco, com os óbvios destaques “Wildfire”, “New Dorp. New York.”, “Pharaohs” e outros chavões da sua muito própria electrónica.
Para o concerto de Sting a casa estava mais do que cheia. Quase repleta. O ex-The Police fez do concerto uma espécie de best of da carreira, tanto como membro da banda inglesa, como enquanto artista a solo. Como era de esperar, os temas dos The Police foram recebidos com muito maior entusiasmo. Os destaques foram para “Every Little Thing She Does Is Magic”, “Message In a Bottle”, “Roxanne”, “So Lonely”, “Walking On The Moon” (que bela surpresa!!!), “King Of Pain”, “Driven To Tears”, “De Do Do Do, De Da Da Da” e “Every Breath You Take”, a fechar o concerto. Outros sucessos da sua carreira a solo também se fizeram ouvir, mas qualquer deles nos parece distante, em termos de qualidade, das canções que fizera com os The Police, exceção feita à elegantíssima versão de “Englishman In New York”. O concerto foi, como se vê, bem revivalista, e Gordon Sumner esteve muito bem no seu papel. Sabemos que está in desvalorizar-se Sting (nós próprio entrámos com alguma desconfiança para o concerto), mas gostámos do que vimos e do que ouvimos. Os músicos que acompanham o baixista são de primeira água, e isso ajuda tremendamente o espetáculo. Sting está em forma, e exigiu o mesmo de quem assistiu ao show. Muito se cantou e pulou. Momentos houve em que todas as gargantas do MEO Arena quiseram, sem amplificação, cantar mais alto do que Sting. Quando assim acontece, isso quer dizer que tudo correu bem.
Terminado o concerto de Sting, já ecoava pelas paredes do palco Carlsberg a pop psicadélica e muito dançável de Toro y Moi. Uma das responsáveis pela ascensão do chillwave no ido verão de 2009, a banda de Chaz Bundick e companhia deliciou o público nacional com um set que deu especial ênfase ao álbum What For?, deste ano. Por entre músicas mais viradas para a disco e o funk (“Buffalo” e “Spell It Out”), outras com um piscar de olhos à electrónica (“Say That” e “So Many Details”) ou ainda um chillwave mais directo (“Still Sound” e “New Beat”), os Toro y Moi puseram o público todo a dançar e a cantar, sempre também agradecendo com salvas de palmas efusivas. A tamanha alegria o cantor/guitarrista/teclista/homem-por-trás-de-tudo Chaz Bundick só respondia com um sincero e simpático obrigado, sempre de sorriso na cara. Atuação triunfante dos americanos em território nacional, que tanto se podia ter dado ali como numa discoteca qualquer no início dos anos 80, em que a bola de espelhos seria rainha da festa.
A noite continuaria com Mirror People e Xinobi no Palco Carlsberg (Sala Tejo) para meter os resistentes a dançar quase até ao sol nascer.
Mais logo voltaremos ao recinto para o segundo dia do SBSR. Um dia que se espera com mais gente para celebrar o regresso dos Blur a Portugal para apresentar o seu mais recente trabalho, The Magic Whip. Desta forma será testada a capacidade do festival em gerir as entradas nas salas fechadas do recinto, pois o número de pessoas para ver alguns dos concertos poderá ser superior à capacidade das salas.
Texto: António Maria Correia, Carlos Lopes, Francisco Marujo, Frederico Batista e Luís Marujo
Fotos: Sofia Mascate e Francisco Pereira