
Johnny palmilha as ruas de Nova Iorque. Johnny é uma personagem de Burroughs e de Patricia Lee Smith. Johnny já viajou pelo mundo, mostrando a sua raiva a milhares de pessoas. Johnny veio a Lisboa para desassossegar quem quisesse ouvir a sua mensagem. Johnny escolheu como palco o Coliseu e aí encontrou uma multidão pronta a fazer frente às “fucking corporations”! Johnny falou através da voz de Patti Smith e as palavras que da sua boca saíram não caíram por terra.
“Hooray, I awake from yesterday”. Horses é uma viagem ao passado. À Nova Iorque de Ginsberg, Burroughs e do CBGB. É igualmente uma viagem a França de Rimbaud e onde está sepultado James Douglas Morrison. Visitamos Hendrix, Mapplethorpe, Brian Jones e Janis Joplin. Nesta noite houve ainda lugar para subirmos as escadarias de Lisboa, estar no topo de uma das suas sete colinas, contemplar mais de oito séculos de história e ver Fernando Pessoa.
Depois de declarar a independência da expiação dos seus pecados, clamar por “G-L-O-R-I-A”, recordar uma disputa com a sua irmã Linda, anunciar a sua subida até a um navio que retira a natureza humana, sonhar com um bilhete de lotaria que terminaria com todos os problemas da sua mãe e pensar em roubar tudo o que pudesse fazer a sua vida melhor. Chegamos rapidamente ao fim do lado A de Horses, o portentoso álbum de estreia de Patti Smith.
O lado B dá-nos a conhecer Kimberley, a irmã mais nova de Patti Smith, sonhamos com a cantora sobre um Jim Morrison alado, preso a uma pedra de mármore que se liberta a pouco e pouco da sua imortalidade e que nos leva com ele, desde que consigamos rasgar as nossas roupas, dançar e gritar “Break it up!”. E, por fim, “Land”. Johnny entra sala adentro. Luta contra as corporações, contra políticos corruptos. A energia de Johnny advém dos punhos que se erguem em sinal de protesto. “Come on motherfucker!” gritou Johnny/Patti depois de um improviso desenfreado de poesia repleta de raiva e força, estamos prontos para o confronto, “Come at me!”. À medida que o ritmo abranda, a mensagem torna-se mais clara. Patti Smith pode não ser uma profetisa, mas tem uma mensagem clara: “We’re in this together.” e, para o provar, entoa juntamente com a multidão refrão mais icónico do disco: “G-L-O-R-I-A, GLORIA! (…) Jesus died for someboy’s sins but not mine”. Se estamos nisto juntos, somos iguais; quem o diz é Patti, ao afirmar “I am you”.
Quando “Elegie” começa, toda a energia reprimida solta-se lentamente sob a forma de um sussurro. Um rol de nomes de heróis que já faleceram – heróis que lutaram com guitarras e palavras, não com armas de fogo – desfilam pelo palco: “James Marshall Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin, Brian Jones, Joe Strummer, Joey Ramone, Johnny Ramone, Tommy Ramone, Dee Dee Ramone, Allen Lanier, Richard Sohl, Amy Winehouse, Kurt Cobain, Robert Mapplethorpe, Fred “Sonic” Smith, Lou Reed…”. “I think it’s bad, it’s much too sad/That our friends can’t be with us tonight…”
Horses terminou, mas ainda há muito para dizer e mostrar. Depois de invocar Lou Reed, Patti sai de cena e a sua banda – Jay Dee Daughtrey, Tony Shanahan, Jack Petruzzelli e Lenny Kaye -, homenageia os Velvet Underground, essa mítica e incrível banda que cantou o lado negro de Nova Iorque. Ouvimos um meddley de “Rock & Roll”, “Waiting For My Man” e “White Light/White Heat”. John Cale, o produtor de Horses juntou-se à banda, mesmo que só em espírito.
Voltando para cantar “Pissing on a River”, Patti mostra que sabe o que é estar sozinha, não ter alguém que responda mesmo quando a cantora entoa “Everything I’ve done, I’ve done for you/ Oh, I give my life for you/ Every move I made, I move to you”.
Antes de se lançar a “Beneath the Cross” Patti dedica-a à “Vida”, fala de Pessoa, da sua biblioteca – que conta com Oscar Wilde, Rimbaud e Walt Whitman e que se não tem Ginsberg foi por desencontro temporal. Patti pega na guitarra e embarca num momento incrível com a canção que faz parte do disco de memória ao seu marido, Fred “Sonic” Smith.
Patti faz um agradecimento ao grande músico que a ajudou a compor a canção seguinte, um rapaz chamado Bruce. “Because the Night” é a declaração de amor de Patti para o seu namorado, o seu marido, o pai dos seus filhos, Fred Smith. “When I sing this song he becomes my boyfriend again.” O sentimento de Patti Smith é real e passível de sentir em cada palavra que pronuncia é verdade que a noite pertence aos amantes. “People Have the Power” é o grito que dá poder às massas, um grito revolucionário que reivindica os direitos de cada um. O direito a sonhar, o direito a viver, a ter uma voz e a lutar contra a opressão dos governos!
Antes de terminar o concerto existe ainda tempo de mais um grito de revolução. “My Generation” dos The Who, com alterações feitas para fugir à hipocrisia – “Hope I live ‘till I get old”. A barreira geracional quebra-se quando mentes de 68, 48 e 20 anos se juntam e ouvem “Talking ‘bout my generation”. No final da canção as seis cordas da sua guitarra estão partidas. Levantando a guitarra Patti declara: “This is the weapon of my generation! We fight with Rock and Roll!”
“You are the future and the future is now!” Compete a quem testemunhou o que se passou naquela sala fazer os possíveis para manter viva a esperança de um futuro melhor.
Não é todos os dias que se vê um momento transcendente com pessoas que moldam a nossa vida e por isso: Obrigado, Patti!
Fotos gentilmente cedida por Alexandre Antunes / Everything Is New