
Segundo dia, sol na venta, a chuva amedrontou-se e fugiu. Mallu Magalhães, Marcelo Camelo e companhia (Banda do Mar) brilharam no palco NOS, pelas cinco da tarde, em perfeita sintonia com a estrela mãe. Canções deliciosas e doces retiradas do disco de estreia da banda mais simpática do eixo Portugal-Brasil. Seguíamos mais pra cima, para o palco ATP, onde Yasmine Hamdan já dava ares da sua graça com as canções misteriosas da sua carreira com já 16 anos, que conta com cinco discos de uma estrondosa mistura de electrónica calma com ritmos e escalas arábicas (não fosse ela libanesa). Giant Sand também já tocavam no palco Super Bock, mas na realidade toda a gente só estava a fazer tempo para a estrela do festival, que viria a seguir: Patti Smith, a tocar na íntegra o mítico Horses.
O público ia-se juntando para celebrar, com Patti Smith, os 40 anos do dito álbum. Um dos álbuns seminais do punk e um dos mais importantes da história da música, tudo num só concerto. Ao entrarem em palco, foram recebidos com um estrondoso aplauso. E Patti não vacilou: entregou-se, com toda a alma, garra e energia ao público do festival portuense, num concerto que ainda se estendeu para além do alinhamento de Horses (fomos brindados com “Because the Night” e “People Have the Power”). Da catarse em massa de “Land” ao sentimento revolucionário que ficou no ar na última música, na hora e meia em que se estendeu o concerto ficou clara uma coisa: assistiu-se ali ao concerto mais relevante do ano (e, certamente, um dos melhores).
José González, perdoem o lugar comum, cantou e encantou com as melancólicas canções dos seus quatro discos, incluindo a incontornável versão de Massive Attack, “Teardrop”, e a pulsante “Down the Line”, com uma plateia completamente cheia e rendida para ver a Suécia e a Argentina juntas em perfeita harmonia. Se em José González os nossos ouvidos eram acariciados por uma guitarra simples e limpa e uma voz calma e serena, em Electric Wizard éramos possuídos pelo oposto. Um negrume desconcertante que fazia todo o sentido, a distorção com uma união de caos e suavidade que nos massajava os ouvidos. Toda a matéria afunilada em pedais de guitarra saídos do Céu e do Inferno, como duas realidades coexistentes em perfeito uníssono, toda a matéria unida num só corpo que se unia também ao som quase palpável dos instrumentos de Jus Oborn, Liz Buckingham, Tas e Shaun Rutter. Tudo fazia sentido; não sabíamos nem interessava porquê, simplesmente fazia.
Mas, em Spiritualized, obtemos as respostas. Ainda que com uma falta grande de canções do marcante Ladies and Gentleman We Are Floating Into Space, deram-nos aquilo que precisávamos. Guitarras levadas ao limite na formação de paisagens plácidas e misteriosas, coros rodopiantes e orquestrações de arrepiar a espinha num concerto suficiente mas não incrível.
De seguida, o festival ficou por conta de Antony and the Johnsons e a orquestra que os acompanhava. Pausa para jantar, pois então, já que o frio não tinha piedade de quem escolhia concertos mais calmos. A escolha mais difícil do festival estava perto. Falamos de Ariel Pink, Run the Jewels e Jungle – todos à mesma hora. O que fazer senão dar um salto a cada um dos três?
Comecemos pelos últimos. Precedidos por um tema que poderia ser o genérico de um filme de super heróis, os Jungle trouxeram ao Parque da Cidade um óptimo concerto. Certamente numa das maiores enchentes do festival, os britânicos apresentaram o único disco – Jungle -, marcado por uma electrónica fortemente influenciada pela soul americana. O sublime espectáculo, possibilitado muito pela enorme sintonia entre os membros da banda, teve como pontos altos o tema de abertura “Platoon” e “The Heat”, mas também “Busy Earnin’” e a final “Time”, com a imensa resposta do público a fazer do concerto um dos mais marcantes do festival.
Ao mesmo tempo, no palco ATP, Run the Jewels faziam das suas. Combatemos fuckboys (“Fuck fuckboys forever, hope I said it politely”, urrava ironicamente Killer Mike), padres pedófilos, banqueiros gananciosos, políticos hipócritas, a escumalha da terra. Amámos combatê-los e amámo-nos ao fazê-lo: o nosso amor é um combate. Mas é combate bonacheirão, alegre: a diversão está aí, em odiar o que lixa a nossa vida em conjunto. Run The Jewels deu-nos a arma e destruímos tudo, mesmo que tenha sido só na nossa cabeça. Há direito a moches (El-P advertiu que permanecer nas filas da frente para pessoal mais quieto não era boa ideia) e a um set impecável: “Run The Jewels”, “36” Chain”, “Sea Legs”, “Close Your Eyes (And Count to Fuck)”, “Lie Cheat Steal” elevaram o público ao estatuto de irmandade durante a hora e vinte minutos que durou este hino ao deboche total e absoluto. Dois veteranos em estado de graça, a sua amizade e admiração mútua era palpável: Mike e El-P fizeram de tudo para dar a experiência mais imersiva que um fã poderia desejar. No início, “We Are The Champions” explodiu das colunas, El-P e Mike num playback bem disposto, humorado, dois homens tornados putos. Podemos agora responder: We Are The Champions… de facto. Combate ganho.
Por último, no palco Pitchfork, brilhava a luz luxuriosa de Ariel Pink. Quem arriscou a olhá-la fixamente, não se arrependeu. Uma hora de gigante intensidade melosa e cor-de-rosa, com um roupão a simular uma mulher em biquini, um baterista com chapéu de cowboy e sutiã, um teclista de colants e os chavões musicais “Lipstick”, “Black Ballerina”, “Picture Me Gone” e outros retiradas do recente pom pom. Uma extravagância e uma colectânea de sons dos anos 80 muito particulares do estranho e bom californiano. Uma pérola pitoresca e brilhante no meio de uma noite bem intensa.
Texto: Francisco Marujo, Beatriz Pinto e Guilherme Portugal
Fotos: Sofia Mascate