
Está oficialmente aberta a época dos grandes festivais. Regressamos (finalmente) ao Parque da Cidade, no Porto, para uns muito antecipados três dias de concertos irrepetíveis e inesquecíveis. Vamos directos ao assunto.
Bruno Pernadas, palco Super Bock, cinco da tarde. De poucas apresentações precisa já, depois do ano de 2014 que marcou com o seu disco de estreia How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge e os (raros) concertos de apresentação do mesmo disco. A começar tal como a dita rodela, “Ahhhhh” abriu as hostes primaveris com um virtuosismo jazzístico perfeito para as cinco da tarde. Cada vez mais curiosos iam chegando, atraídos pelas vozes de Margarida Campelo (Julie & the Carjackers) e Afonso Cabral (You Can’t Win Charlie Brown). Depois da maquinal introdução, chegava “Huzoor”, com a sua sonoridade soalheira a contrastar com o clássico nublado deste festival. Por entre outras canções do seu álbum, como a folky “Premiére”, Pernadas continuou a fazer maravilhas, até terminar com uma canção nova, possivelmente retirada do seu próximo disco, anunciado pelo artista como mais jazz e diferente do primeiro.
Findado o primeiro concerto, uns dirigiram-se ao palco do lado, o palco NOS, enquanto outros tiravam partido das réstias de sol, deitados em toalhas nas colinas do parque. De Cinerama, pouco haverá a destacar, além do indie pop/rock fofinho e a piscar o olho a Smiths e derivados. Mikal Cronin provocava o êxodo para o palco Super Bock, para agraciar o público com a sua simpatia e as suas composições ora rockeiras ora doces e inocentes. Um começo definitivo, com uma plateia já bem composta.
A poucos metros de distância, já os fãs do irreverente Mac DeMarco preenchiam as filas dianteiras do palco NOS. A entrada do canadiano em palco fez furor, com uma enchente ainda maior que a de Cronin. Percorrendo os maiores êxitos de Salad Days e restantes discos, a incrível trupe navegou por entre as canções com uma representação de Hamlet, com banda sonora apropriada, uma música composta no momento enquanto Mac trocava uma corda, um leak in loco do disco de Andy White, guitarrista da banda, e até uma festa de anos com direito a champanhe. A confirmação do artista com uma das melhores presenças em palco que há, com uma mistura de competência e brincadeira deliciosas.
Enquanto Mac fazia das suas, história viva era revisitada no palco Pitchfork, num concerto especialíssimo – não só pela singularidade e raridade do momento, como pelo facto de ter cadeiras para ser visto sentado. Falamos de Patti Smith, claro. Há artistas que se auto-justificam. Patti Smith trouxe ao primeiro dia do NOS Primavera Sound um set acústico no qual apresentou uma espécie de best of da carreira que conta com cerca de 40 anos. Abrindo com “Dancing Barefoot”, passou por temas como “Pissing in a River” e “Because the Night”. O concerto contou ainda com um pequeno improviso no qual Patti nos relatou a experiência no Porto até então. A artista, que teve o privilégio de ter o palco Pitchfork aberto apenas para si, conseguiu captar a atenção do público e fazê-lo saltar das cadeiras colocadas na plateia. Com a energia que transmitiu, sagrou-se como uma das artistas do festival.
Antes das estrelas da noite, o magote de gente que já se acumulava deu uma perninha no concerto de FKA twigs. Estranha delicadeza electrónica e experimental, com quebras de tempo e som abruptas e inesperadas, uma inventividade particular e sensível. Movimentos de anca que nos faziam sair de órbita, passando para o palco NOS, onde em breve a electrónica que se ouvia ao lado daria lugar ao revivalismo pós-punk.
Peculiar é o nevoeiro dos Interpol. Se deixarem, perder-se-ão nele, envoltos, submersos, absortos de tudo o resto na Nova Iorque morosa, melancólica e deprimida pós-11 de Setembro de Turn On The Bright Lights, enquanto o que vos rodeia se encontra achado, imune à negra nuvem: as canções são canções, a catarse é oferecida por elas, não há desvios nem muito menos acidentes. A lâmina furiosa que passa por riff de “Say Hello To The Angels” abre o concerto e dá ao pó razão para se levantar. O concerto focou-se nos dois primeiros trabalhos, com algumas paragens agradáveis no subvalorizado Our Love To Admire (na fabulosa “Pioneer To The Falls”, Sam mostra que ainda tem nervo atrás do seu bombo) e no último trabalho (“All The Rage Back Home” encerra triunfante). Destaca-se “Stella Was a Diver and She Was Always Down” e a clássica “Evil”.
O primeiro dia de festival chegava ao fim com o parque feito discoteca graças ao house divertido, jovial e descomprometido de The Juan Maclean, que preparou o transe para o sempre bom espectáculo de Caribou, que se apoderou do festival e da plateia toda que ainda restava no recinto para voltar a impressionar com o seu perfeccionismo e electrónica minuciosa.
Texto: Francisco Marujo, Beatriz Pinto e Guilherme Portugal
Fotos: Sofia Mascate