
Bom prenúncio. O palco principal abriu as actividades às 18h em ponto, com os You Can’t Win Charlie Brown. E melhor maneira não podia haver, com tão boa energia que eles deixaram em palco, só pode anunciar coisas boas para o resto do dia. Deram mais um grande concerto, como já nos têm habituado. Mostram, a cada dia, que nadam bem numa sala para 30 pessoas ou num festival de grandes dimensões. Foi assim há um mês no Primavera, foi assim hoje, no Alive. Tocaram principalmente temas novos, de Diffraction/Refraction, e as canções parecem crescer a cada concerto deles. A grandiosidade de arranjos que lhes conhecemos em disco passa para o palco com mais pujança, mas tudo igualmente bem arrumado. Os YCWCB estão num excelente momento de forma, estão a desfrutar cada dia, enquanto vão subindo, degrau a degrau, a caminho de se tornarem uma das bandas mais importantes e marcantes da cena musical portuguesa. Para fechar um concerto compacto (durou menos de uma hora), voltaram a pegar nos Velvet Underground – há 2 anos fizeram uma versão integral do disco de 1967, e tão boa ficou a adaptação que eles trouxeram algumas dessas versões. Hoje fecharam com “Heroin”.
Antes do final de YCWCB, tocava no palco Heineken o norte-americano Cass McCombs que vinha mostrar o seu mais recente disco, Big Wheel and Others, de 2013, bem aceite pela crítica mas não demasiado divulgado. E isso poderá ter influenciado a afluência e/ou aceitação do músico no dia de hoje. Não obstante ter tocado “Morning Star”, música chave deste último disco, todo o concerto foi morno, sem muito fulgor e não foi por acaso que muito do público presente se encontrava sentado e/ou a conversar sem prestar muita atenção a Cass. Ele que foi o primeiro nome mais forte do palco Heineken do dia de hoje, dia esse que foi claramente o mais forte neste palco e, que terá roubado muita gente ao palco Nos, que, admitamos, teve um dia mais fraco do que normalmente costuma ter, aparte dos portugueses You Can’t Win Charlie Brown e dos quase míticos The Libertines. Hoje, The Black Mamba, Bastille e Foster The People (apesar da grande afluência) não são bandas que nos encham as medidas. Mas regressemos a Cass McCombs para nos despedirmos da sua actuação. Como vos dissemos foi um concerto morno que acabou em crescendo mas, para o público presente, já foi tarde.
De volta ao palco Heineken, a expectativa para ver a banda de Adam Granduciel, que contou em tempos com o já famoso Kurt Vile. The War on Drugs trazia na bagagem Lost In The Dream, quarto disco de originais e, para muitos, o melhor disco de 2014, mesmo que o ano ainda esteja a meio. Se alguma pressão pudesse haver para Granduciel, cedo se demonstrou que não há nada a temer para este conjunto norte-americano. Primeiro, são eles próprios que fazem o seu soundcheck, o que poderá não ter corrido da melhor maneira pois o concerto começou com falsa partida dado não se estarem a entender com o som, provocando alguma expectativa na plateia que ficou confusa entre se a banda estava a testar o som ou se já estava a tentar entrar no concerto. Para aumentar essa confusão, som exterior passava nas colunas coincidindo depois com a banda a começar o concerto e transformar o início numa salganhada tremenda. Mas isso não interessou nada pois começaram logo com “An Ocean in Between the Waves” e melhor começo seria difícil. A diferença para o concerto de McCombs não foi só devido à diferença horária. Além da expectativa que War on Drugs gerou, o som que vinha do palco puxava por um público ávido das mais recentes faixas. Engraçado é que a banda de Adam Granduciel vai buscar influências aos anos oitenta mas não os mesmos que o Indie recente tem ido. Aqui não temos a pop electrónica muito em voga nos últimos anos. Não. War on Drugs vai buscar todo aquele rock meio foleiro da segunda metade dos anos 80 mas nunca descendo demasiado baixo e nunca o poderia fazer quando as suas influências são Neil Young, Bob Dylan, Bruce Springsteen, Waterboys, Tom Petty ou aqueles Pink Floyd de Momentary Lapse of Reason, e, quiçá, um bocado de Dire Straits. Isto tudo misturado, juntando à imagem de Granduciel, típico rockeiro 80s, de jeans da cabeça aos pés, faz de War on Drugs uma banda bem diferente do que estávamos habituados nos dias de hoje. O concerto obviamente não desiludiu. Terá sido até um dos melhores do festival e músicas como “Red Eyes” e, obviamente, “Under The Pressure”, fizeram o público render-se à banda norte-americana.
Logo a seguir, com uma pequena pausa para o concerto no coreto dos portugueses Juba, Unknown Mortal Orchestra. Digam o que disserem, o melhor concerto de todo o festival. Com dois álbuns na bagagem muito bem divididos pelo alinhamento de dez músicas, o australiano com raízes havaianas veio pela terceira vez a Portugal e deixou os corpos e as mentes do público num turbilhão. Se em disco Ruban Nielson anda entre o pop melodioso e o rock gingão (sempre fiel ao psicadelismo), em palco é uma besta autêntica. Com um virtuosismo na guitarra inigualável em todo o cartaz do festival, Nielson saltitou entre momentos calmos e improvisos explosivos, cada um melhor que o anterior, provando que o psicadelismo pode ter lugar em palco, ainda que seja difícil de o transpor. “Ffunny Ffrends” foi a canção que mais ecoou pelo palco Heineken, em conjunto com “From The Sun”, que no seu começo recebeu uma volumosa aclamação.
Mais tarde, por volta das 22h30, seria a vez de entrarem em palco os Paus. Podemos dizer com toda a confiança: estes lisboetas estão melhores que nunca. Tiveram a casa cheia a que tinham direito, oferecendo a quem a ocupava uma série de ritmos, melodias e harmonias de fazer rolar cabeças, dignas de uma qualquer banda estrangeira de renome. Os Paus assumem-se assim como uma das maiores e melhores bandas portuguesas, cada vez mais próximos do Olimpo da coordenação e criatividade. Para quem não os conhecia antes, conheceu-os no lugar certo, à hora certa.
O que dizer de um concerto dos Libertines em 2014? As expetativas eram escassas, apesar dos dois álbuns do grupo, já com mais de dez anos em cima, terem repertório muito válido e serem parte do imaginário garage rock de terras de Sua Majestade de anos mais recentes. O caos e a desordem nas vidas de Pete Doherty e Carl Barat, em especial do primeiro, impediram os ‘Libs’ de ser uma das grandes bandas rock do mundo. E, no entanto, aí estão eles em boa forma, a viver cada concerto como o último, numa vertigem eletrificada. O concerto que o NOS Alive viu foi perfeito, duro, desastrado, puro, sentido e muito, muito bonito: o ‘bromance’ entre Doherty e Barat conduz os Libertines em palco, e depois há ótimas canções a juntar a isto tudo, casos de “I Get Along”, “Last Post on the Bungle”, “What Became of the Likely Lads” ou “Can’t Stand me Now”, por exemplo. Houve muito rock, cerveja no ar, belos seios no ecrã, e um saudável chavascal nas filas da frente. Os penteados predominantemente de registo britânico, longos abraços entre amigos mais recentes ou há muito não vistos, refrães em conjunto e uma grande alegria, com milhares de espetadores a dar tudo – tudo isto se viveu nas filas da frente. Pete, calma nas drogas, e Libertines, voltem sempre.
De facto, foi preciso chegar ao último dia de festival para ver tantos concertos tão bons. Confirma-se o que se disse antes. Unknown Mortal Orchestra foi, muito provavelmente, o melhor concerto do festival. Jungle, se não foi o segundo melhor, ganha pelo menos o prémio revelação. Os britânicos, banda mistério até há alguns meses, estrearam-se em Portugal cheios de entusiasmo. São moços relativamente novos, o disco de estreia é editado esta semana, mas pelo que se viu no concerto, é um artigo que merece ser comprado. É música com travo a Verão, um Verão vivido por estes rapazes em Inglaterra, mas com a cabeça em Copacabana e nas Caraíbas. Não é propriamente música electrónica, tem muito de baixo, guitarra, bateria. Não é propriamente rock, nem é bem disco e funk, mas tem bocados de tudo. Não é propriamente música de dança, mas sem dúvida faz dançar. Umas vezes um baixo mais possante, quase disco, quase funk; outras vezes uma guitarra a lembrar Nile Rodgers; a espaços vem à memória a inspiração dos Chromeo, mas com ritmos mais demorados, mais envolventes. É, no fundo, música dos Jungle. Fazem lá a sua mistura e atiram-na do palco com pujança. E estão genuinamente a gostar do que fazem e contagiam com essa energia que passam. Se medalhas houvesse, os Jungle ganhavam a de concerto revelação neste festival. E também de banda revelação, que merece ser seguida com atenção daqui para a frente.
Praticamente à mesma hora dos Jungle no palco Clubbing, os Daughter atuavam no palco Heineken para um registo totalmente diferente. A sonoridade da banda britânica liderada por Elena Tonra – apesar da sua excessiva timidez e até espécie de vergonha quando se dirige ao público – é muito mais íntima e nada dançante ou eufórica. É música que cria ambientes – imagéticos ou cinematográficos – enternecedores e confortantes, mas que podem ser monótonos ou mesmo tristes. É quase a banda sonora perfeita para uma noite de muito frio ou chuva que se passa no sofá com uma manta nas pernas e uma chávena de chá ou de leite morno na mão. Até têm um tema chamado “Winter”! Era, por isso, a banda menos ideal para tocar à meia noite de um sábado de verão – ainda que mais fresco que os anteriores – e no último dia de um festival em que o cansaço começa a tomar conta do corpo e da mente. Mas, inesperadamente, o palco Heineken encheu-se até transbordar e recebeu os Daughter com tal euforia que até os próprios ficaram admirados. Ao contrário do que se passou no Coliseu há cerca de meio ano por ocasião do Mexefest, desta vez a banda britânica não foi recebida com indiferença ou bocejo, mas sim com muitas ovações e gritos estridentes. No final de cada tema havia aplausos sentidos e firmes e durante as canções eram muitas as cabeças a deambular de olhos fechados. Até houve um “daqueles momentos” em que o público cantou em perfeita sintonia o refrão de “Youth” – o single de If You Leave, o único álbum da banda até ao momento. Questiono-me o que terá acontecido entre dezembro de 2013 e julho de 2014, mas os Daughter ou se transformaram num pequeno grande fenómeno de adoração em Portugal ou toda esta euforia é um subproduto do ambiente de festival, mais eclético e menos exigente. Pode ainda ser pelo simples facto de os Daughter – pelo que vi até agora – se comportarem melhor ao vivo em festival do que numa sala fechada. O som – apesar de perturbado pelas batidas garage rock que os The Libertines debitavam ao fundo no palco principal – estava mais fluído e mais definido e encheu mais o espaço, principalmente nos momentos mais instrumentais ou mais ritmados. E mesmo sujeito às condições de ser ao ar livre. A bateria distinguia-se bem da guitarra e do baixo e a voz de de Elena Tonra, muito semelhante à de Cat Power, mas mais aveludada, esta mais clara e límpida. Só foi pena terem tocado menos de uma hora, mas a verdade é que tocaram os temas essenciais do único álbum que têm e apesar de terem apresentado alguns temas novos, ainda precisam de mais repertório. Ou então de explorar mais os belíssimos momentos instrumentais.
Não saindo grande parte do público do mesmo palco, chegava a vez de um dos concertos mais esperados do festival: Chet Faker. A corresponder às expectativas, a qualidade de Chet Faker em palco é equivalente à qualidade em disco. Meia dúzia de canções merecedoras de gigantes ovações e abanares de ancas, outras tantas menos boas. Mas isso foi mais do que suficiente para a grande quantidade de fãs que ali marcavam presença, não tendo o australiano deixado esmorecer o concerto em momento nenhum e espalhando a sua simpatia pelas caras de todos os que o ouviam.
Quanto a Nicolas Jaar, pouco ou quase nada há para dizer. Expectativas gigantes, concerto fraquíssimo. A mesma música durante uma hora e meia, uma electrónica desinteressante e igual a tudo o resto e a si mesma. Se no Primavera Sound o americano deu um dos melhores concertos do festival com o seu projecto paralelo, Darkside, no Alive só fez perder tempo.