
Longe dos grandes festivais, das grandes marcas, dos grandes nomes, houve em tempos um pequeno paraíso musical chamado MagaFest. No final do dia 5 de Setembro de 2015, alguns dos mais talentosos músicos portugueses reuniram-se na Casa Independente para, durante seis horas, sentir a música de uma forma diferente.
O acontecimento começou com Minta & The Brook Trout. Em formato reduzido, Francisca Cortesão e Mariana Ricardo tocaram um repertório variado, onde incluíram material novo e canções de Beck – já apresentadas numa MagaSession (sessões mensais que deram origem ao MagaFest). De seguida era Simão que tomava o lugar central da festa. Não se sentindo diminuído pela falta da sua banda em palco, o músico transmitiu um intimismo na canção e na actuação como não se viu no resto da noite. Cantando os seus demónios interiores, com uma honestidade e ternura invejável, Simão aqueceu corações e arrepiou corpos. Amor e simplicidade cantados com sinceridade e sem manhas. Nas penúltimas palavras sobre Simão cabe ainda a menção aos loops de voz ténues que ia gravando, adocicando e completando as canções de uma forma tão sábia que nos fazia cair o queixo. A versão do Zeca (“Era Um Redondo Vocábulo”), que tão bem lhe assentou, fez até as videiras e os tijolos cantar os seus desenhos de voz e cordas.
Passávamos do terraço tropical para a sala do tigre, lá dentro. Quem admirávamos a seguir era Filho da Mãe. Mago da guitarra e dos pedais, Rui Carvalho criou as mais bonitas paisagens sonoras da noite. Uma eterna cascata de notas e reverberações invadiam a Casa Independente, com a luz azul que pairava sobre ele a amparar a queda das mesmas e a abraçá-las. Carlos Bica e Norberto Lobo tomavam o seu lugar algum tempo depois, duelando como mestres, bipolarizando entre um entrelaçar calmo das cordas do contrabaixo e da guitarra e uma antagónica e frenética explosão de notas. Bica e Lobo não tinham só o truque do virtuosismo na manga: pelo meio ouvimos guitarra slide, loops de contrabaixo, rendilhados pensados ao pormenor, entre outras artimanhas. Aplausos largos.
A sala ficaria mais calma e silenciosa com Lula Pena. Pena não é estranha nestas andanças. Em nenhumas, na verdade. A artista portuguesa serpenteou entre lugares e sonoridades opostos, ligando-as com mestria, nunca parando entre cada canção. O seu mistério é também a sua maior certeza. É na voz grave e mansa que encontramos a sua maior virtude e factor de atracção. Mas não só aí reside a sua magia, já que também as suas mãos nos hipnotizavam, ora acariciando as cordas da sua Taylor ora nela dando pancadas de amor e percussão ligeira.
Lá fora a cantiga era outra. Garcia da Selva bebia e partilhava com o público uma poção cheia de sintetizadores Moog, beats caídos da estratosfera e efeitos que nos faziam sair de órbita. A gravidade deixava de nos puxar e eram as suas melodias surreais que nos puxavam para uma realidade diferente. Lá dentro já se preparavam os Silence Is A Boy para o concerto mais irreverente e cómico da noite. O actor Pedro Inês era quem tomava o microfone para cantar disparates com sentido e sentimento, sempre provocando risos aqui e ali, sempre agradecendo ao público e mostrando-se verdadeiramente feliz. Por entre as canções gritava, criava laços com o público, ria-se e fazia-nos ter vontade de ouvir a próxima canção, e outra a seguir, até ao final da noite.
Mas a festa tinha de acabar e para o fazer aterrou no palco Jibóia, com a ajuda de Ana Miró (Sequin) na voz. Como sempre faz, o multi-instrumentista português transformou a sala num pesadelo psicadélico cheio de seres e criaturas medonhas que se aliavam aos riffs fantasmagóricos e à voz assombradora que compõem as canções dos seus dois EPs. Bela maneira de esgotar as baterias.
Fotos: Sofia Mascate