
A promessa partia dos próprios Linda Martini, ao anunciarem as três datas na qual se incluía este concerto: fazê-los em modo punk e transformar estas três passagens por terras mais centro-nortenhas nos concertos mais intensos e memoráveis que até então viveram. Do que aconteceu nas outras não posso falar; o que, no entanto, se passou, na quinta-feira à noite no Salão Brazil, em Coimbra, foi uma celebração na sua forma mais pura. Entre momentos de viagem e outros de motim e anarquia completas, reinou, sobretudo, a amizade entre os Linda Martini e o seu público, que se rendeu por completo à música do quarteto lisboeta que, como putos que não têm aulas amanhã, deu tudo: saltou, cantou e gritou até ao último acorde.
Passava pouco depois da hora marcada quando apareceram os Linda Martini. Dispondo-se na mesma forma de sempre (esq.-dir.: André Henriques, Cláudia Guerreiro, Pedro Geraldes e Hélio Morais), a banda lá se instalou e, feitos os ajustes necessários, abriu o resto da memorável noite com “Queluz Menos Luz”, o (muito pouco tocado) instrumental de Casa Ocupada. De seguida, fez-se ouvir a frenética “Juárez”, do mais recente Turbo Lento. No entanto, talvez por ainda ser cedo, pouca gente no público saltava e dançava como a banda pretendia; nisto, ocorreu algo bastante raro nos concertos do quarteto: o cantor/guitarrista André Henriques pediu ao público que se mexesse e saltasse mais. Isto foi de imediato frisado pelos colegas Cláudia e Hélio; ambos disseram: «vocês deviam ouvir o André, olhem que ele quase nunca fala (…)». Tocados pelas palavras da banda, os fãs trataram logo de responder em “Nós os outros”, saltando e gritando a letra da canção.
Seguiu-se um regresso ao passado, com “Cronófago”, e um tríptico turbulento: “Panteão”, “Pirâmica” e “Sapatos Bravos”. Depois de “Mulher-a-dias”, os Linda, devido ao facto de se seguirem duas músicas mais calmas, pediram a quem se encontrava mais à frente para se baixar, de modo a que quem estava mais atrás os pudesse ver também. E assim se fizeram ouvir a emocional “Estuque” e uma mais desconhecida, mas igualmente bela, “A Corda do Elefante sem Corda”.
Em seguida, antes da música final de Turbo Lento, ocorreu aquilo que um amigo (carinhosamente) apelidou “as morais do Hélio”. Nele, o baterista aconselhou toda a gente a seguir o que quer e mais gosta de fazer, mesmo que isso não passe pela universidade. Depois da viagem épica e saudosa de “Volta”, seguiu-se “Juventude Sónica”, na qual a plateia, maioritariamente composta por pessoas entre os 18-22 anos, gritou em uníssono o refrão, aproximando-se, pela primeira vez, daquilo que seria o resto da noite.
Às primeiras notas de “Ratos”, a reacção foi tal maneira que se instaurou, na frente do palco, um mosh pit que só terminou com o fim do concerto. Houve uma escalada na energia e seguiram-se “Febril (Tanto Mar)” e “Belarmino VS”. Manteve-se o motim, as gargantas a entoar as canções como hinos de guerra e o sangue a ferver. No entanto, o final de “Belarmino VS” trouxe o costume bluff pré-encore. Após um curto intervalo de tempo, Cláudia anunciou ao microfone que iriam só tocar mais uma. O público respondeu, é claro, com tristeza (mal sabiam o que aí vinha). Perante a indecisão da banda sobre que música tocar, começaram os pedidos: ouviram-se os nomes de “Amor Combate”, “Dá-me a tua melhor faca”, “Elevador”, “Cem Metros Sereia” e, também, um geral “Todas”. Então a banda perguntou: «Pode ser a “O amor é não haver polícia?”» e a plateia respondeu com um forte sim. O poderoso baixo de Cláudia e a voz possuída de André fizeram-se ouvir com muita força e a plateia, ao rubro, nem teve tempo para descansar pois logo a seguir começaram a ouvir-se os primeiros acordes de um dos maiores hinos do rock: “Territorial Pissings”. Nunca eu tinha visto (e sentido) tal coisa: de repente lá estávamos todos, transportados para o início dos anos 90, no meio daquele mosh monstruoso que marcava todos os concertos dos Nirvana. E nós lá no meio, aos encontrões, pisadelas, pontapés, a libertar toda uma energia que se havia construído durante o concerto; passou tão rápido que nem foi perceptível a mudança para “Cem Metros Sereia”, que viria a finalizar o concerto. Nela, a comunhão da banda com o público perpetuou-se e atingiu o seu auge, numa catarse em massa em que os corpos chocavam uns contra os outros e entoavam a uma só voz «Foder é perto de amar, se eu não ficar perto». Alguns conseguiram subir para o palco e fazê-lo no microfone.
Chegado ao final daquela hora e meia, apercebi-me daquilo que a banda pretendia: aquela festa, aquela união, aquela força e energia que transformaram uma noite comum em algo mágico eram o objectivo. Posso afirmar sem qualquer dúvida que ali se fez cumprir o punk. E de que maneira. Como dizia o outro, foi bonita a festa, pá!