A ideia era eu e olhos(«Ä»)zumbir fazermos uma cobertura integral do Festival Rescaldo deste ano. Mas isto do pro bonotem que se lhe diga e então a ver se ao menos faço uma reportagem – ou cantiga opinativo-literária de três tostões – em cada um dos fins-de-semana em que ocorre o evento. Dado o interesse do público geral deste site ser mais dirigido para o rock, talvez devesse ter feito sobre o concerto de quinta-feira de 10000Russos + The Jack Shits, mas havia a curiosidade de ver o Nuno Rebelo, que alguns conhecerão através dos Mler If Dada, mas que eu conhecia especialmente pelas suas instalações sonoras.
E assim sendo, música improvisada, texto improvisado, tomem lá:
Objectos que tombam do céu e chocam com outros objectos em terra, aliás, não propriamente assentes no chão mas sim semi-submersos, numa poça vá, num charco chapinhante, e cabos de electricidade desprotegidos ali pró meio, e puff, curto-circuitos, estampidos graves estampidos agudos, carros, caos, trânsito de sexta à tarde, discussões escutadas por um fio de nylon, lá ao fundo, gravações velhas, fitas rasgadas, pac-man em marcha-atrás, ping-pongs estereofónicos, sim a existência do estéreo e já ninguém liga ao estéreo, a redescoberta do estéreo, a guitarra como instrumento não propriamente musical, mas como ferramenta, como objecto, mais um dos objectos, que tombam, e os delays ultra-declarados, os dedos à frente da música, a música surgindo sempre tarde, sempre depois, constantemente os dois momentos desfasados, o visual e acústico (apenas possível numa pequena sala de acústica superior e sem copos de cerveja a bater ao fundo) antecipando o eléctrico, gostaria de usar a palavra jetlag e lá está, o próprio Rebelo já utilizou numa instalação sua. Um concerto que foi uma performance que foi uma instalação que foi um encontro que foi
Pois. Rodrigo Pinheiro com Thomas Lehn. Apesar de apreciar o chamado jazz livre, ao ponto de já ter visto vários concertos de projectos nos quais Pinheiro está ou esteve envolvido, apesar de ele andar bem acompanhado e apesar de ser um músico indiscutivelmente possuidor da técnica e inspiração e inventividade para chegar a estar bem acompanhado, nunca ele me marcou nas três ou quatro ocasiões em que o vi tocar. Não sei, um problema meu ou não, achei a primeira hora desta segunda levada da noite deveras aborrecida. Encontrei também em Pinheiro um terrível esforço para assertoar um Isto sou eu no improviso. Diria que, por vezes, o termo free (jazz) pode jogar contra um músico se ao final de contas ele se sente preso aos seus códigos (que se eventualmente há umas décadas não existiam, hoje em dia o mesmo já não se pode afirmar). A desconstrução pela desconstrução, o não pelo não, a dislexia não propriamente credível. E Lehn limitando-se a sujar o já sujo, a contrariar o já contrariado, num jogo enfadonho. Finalmente, passada a tal meia hora, surge um momento de explosão e, pela primeira vez a cavalgada disléxica e nervosa de Pinheiro encontra o seu lugar. Segue-se um aftermath de recuperação intenso, curioso, que interroga o espectador, instalando-se um ambiente de segredos sussurrados e melancolia que me interessou. Mas tudo termina na mesma previsibilidade do início.