
Pegando nas palavras de mui digno representante deste site, um concerto de Arcade Fire é como que uma experiência religiosa. Tenho a concordar. Não tem só a ver com os tempos de Neon Bible, tem a ver com tudo, com a magnificiência das músicas (ou hinos?), com a devoção dos fãs e com todo um espectáculo perfeito. Não se trata de uma experiência religiosa como daquelas seitas que tomam salas de cinema históricas de assalto. Trata-se de ver deuses, de ver a luz que nos guia e nos encaminha.
A expectativa estava bastante alta pois, quem já assistiu a concertos da banda de Win e Régine sabe que é para sair de lá rouco e depois de duas horas aos saltos. Já cá estiveram algumas vezes. Depois da sua estreia em Paredes de Coura há 9 anos, passaram já por duas vezes pelo Super Bock Super Rock. Trouxeram os quatro álbuns com eles, naturalmente, começando desde logo com a música que dá nome ao último: “Reflektor”.
É difícil de indicar qual o ponto alto do concerto. Se foi com “Neighborhood #1″, ” Ready to Start”, “No Cars Go”, “Rebellion (Lies)” ou “Afterlife”. Cada devoto que lá se encontrava poderá dizer o que mais gostou. Mas a verdade é que vai ser difícil para todos de responder porque foi um concerto muito forte e que revelou que os Arcade Fire, passados este 9 anos foram oleando cada vez a sua máquina. Talvez percam um pouco de espontaneidade mas têm um espectáculo montado que tem de ser vivido. É algo que no fundo acaba por não ser muito normal. Acabamos por associar este tipo de espectáculos de maior envergadura a bandas pop, mas porque é que uma banda de música independente não poderá ter um espectáculo assim? Pode. Os Arcade Fire, com o passar dos anos, têm sabido alimentar e agigantar uma chama que têm mantido a arder desde os tempos de Funeral. Para os canadianos não há como ter medo do estigma do 4º álbum, por exemplo. Reinventam-se, e fizeram-no magnificamente com Reflektor, que teve a mão de James Murphy (o génio à frente dos LCD Soundsystem). O factor épico está cá todo, mantem-se desde o primeiro dia e passados quatro anos está aí para continuar. Surpreendeu quem não conhecia apesar dos sucessivos avisos de quem já sabia: “prepara-te, isto é uma experiência religiosa”.
Por curiosidade refira-se que a banda por duas vezes tentou tocar “Month of May”, sem sucesso. Desinspiração? Não importou nada porque quase não se deu conta. Ou quem deu, pouco se importou. Veio antes uma versão de “My Body is a Cage” e logo de seguida rebentou “Neighborhood #1 (Tunnels)” e “No Cars Go”. Depois mais tarde, em “It’s Never Over (Oh Orpheus)”, Régine enfrentou a banda, colocando-se na plataforma onde Jagger e Springsteen, dois dias antes, deliciavam lado a lado. Momento muito bonito em que apenas ficou registado o momento estranho de estar um personagem atrás de Régine, vestido de esqueleto à-la-mau-do-Karaté-Kid. Não beliscou em nada a credibilidade do espectáculo, importa referir.
O fim aconteceu então com “Wake Up”, canção de 2 tempos, em crescendo e já habitual. Só não terá sido o melhor concerto do ano (se calhar até foi) porque duas noites antes lá estiveram os Rolling Stones. Mas se estes ganham porque são lendas vivas, os Arcade Fire bem que para lá caminham.
(Fotos: AgênciaZero.net)
((Alinhamento dos Arcade Fire: 1. Reflektor; 2. Flashbulb Eyes; 3. Neighborhood #3 (Power Out); 4. Rebellion (Lies); 5. Joan of Arc; 6. Rococo; 7. The Suburbs; 8. Ready to Start; 9. Month of May (interrompida); 10. Neighborhood #1 (Tunnels); 11. No Cars Go; 12. Haïti: 13. We Exist: 14. Afterlife: 15. It’s Never Over (Oh Orpheus); 16. Sprawl II Mountains Beyond Mountains); 17. Normal Person; 18. Here Comes the Night Time; 19. Wake Up))
Mas a tarde de concertos começou-nos às 18h com os Capitão Fausto. Somos fiéis aos nossos amigos Fausto, sempre que há um concerto que possamos não faltar, estamos lá. A razão é porque são sempre bons os seus concertos. Foi com agrado que se verificou uma grande enchente para os ver. Recordamos que vários foram os concertos este ano, que ali no palco Vodafone se passaram, e que não passaram da trintena de espectadores. Ver este lado do recinto cheio para ver os Capitão Fausto é muito bom. E é muito bom de ver a naturalidade e descontracção que os cinco revelam em palco. Não tiveram qualquer pejo em 3 deles fazerem alternadamente um efusivo crowd-surf, por exemplo. Percebeu-se que era para agradecer e festejar a presença de amigos mais próximos e isso não ofendeu nada os restantes espectadores, pelo contrário. Boa animação e uma grande legião de fãs já que, não só sabem a letra completa de músicas como “Teresa”, “Verdade” ou “Febre” mas também das mais recentes como “Maneiras Más” ou “Litoral”.
Quem acabou também por ter a plateia cheia foram os Wild Beasts. Os britânicos gozam também de uma boa legião de fãs, muito devido ao álbum Smother de 2011 mas segundo se pode verificar, já com as músicas de Present Tense, deste ano, na ponta da língua. Este quarteto fica um pouco ali no meio da linha improvável que liga Everything Everything a Interpol, mas com bastante menos pujança. Tem de facto boas músicas como “Wanderlust” ou “Bed of Nails” mas falta ali uma estrelinha que cintile um pouco mais.
No Palco Mundo a coisa ia começando com a Homenagem a António Variações. Ora se é sempre de louvar e salutar homenagear um dos músicos portugueses mais visionários de sempre, acabamos sempre por comparar pelo projecto de homenagem que mais sucesso teve: os Humanos. E diga-se, não é nada fácil fazer esquecer uma voz como a de Camané. Mas a ideia começou bem com Gisela João a cantar “Quero é Viver” e depois “Anjinho da Guarda”. Chamou depois os Linda Martini, com quem cantou “Adeus Que Me Vou Embora”, deixando-os em palco para interpretarem “Toma o Comprimido” e “Visões Ficções”. Foi aqui que chamaram Ana Bacalhau para formarem os “DeoLinda Martini”, como a própria referiu e foi a melhor parte desta Homenagem. Cantaram “Canção do Engate”, “O Corpo é que Paga” e “É P’ra Amanhã” com boa recepção. Foi então que entrou em cena Rui Pregal da Cunha e depois elementos dos seus Hérois do Mar e dos Rádio Macau. A qualidade e afinação da voz de Pregal da Cunha, diga-se, não condizeu em nada com o seu entusiasmo e o concerto perdeu-se ali. Mas valeu pelo seu todo ainda assim.
Depois das músicas do mestre Variações foi hora de Ed Sheeran e depois de Lorde, esta com uma grande plateia entusiástica, cumprirem as suas actuações até aos enormes reis da noite (e quase do festival).
(Fotos: Francisco Fidalgo)
Óptimo comentário! :)
Escrever bem em português é uma arte que nitidamente não dominas