Muitos dirão que o titulo é um exagero e se calhar é, mas se há coisa que aprendi nos últimos anos, enquanto apreciava a sinuosa carreira de Josh Tillman, é que ele viverá e morrerá segundo as suas próprias condições. E eu aceito o mesmo.
Se em 2012 se estreou sob o alter ego Father John Misty e cantou a balada de um mulherengo hollywoodesco em Fear Fun, fazendo alusão a um status de celebridade fabricada pela indústria cinematográfica e a falácia do amor, em 2015 descobriu-o com I Love You, Honeybear chegando por momentos a matar a sua personagem e defender a profunda verdade do que escrevia demonstrando a ofensa sentida por quem alegava que os sentimentos expressados por um alter ego não eram os seus. Levou o amor por Emma como uma bandeira, numa luta contra as convenções da sociedade que transformaram a persona e o álbum numa das grandes revelações do ano, mas não só, Tillman foi elevado ao estatuto de cavaleiro andante do século XXI com o coração a bater na ponta da espada que alternava com a língua afiada de sarcasmo irrepreensível, e um palmo de cara e um jogo de ancas que também não o prejudicou.
A receita infalível estava pronta, de um ponto de vista mais superficial. Numa apreciação do artista, não há muitos como ele, com todas as críticas que lhe possamos fazer e as incongruências que lhe possamos encontrar. Colaborou com Lana Del Rey, fez músicas para Beyoncé e Lady Gaga, rebelou-se contra Taylor Swift e ofendeu-se por aparecer um candidato, num reality show americano de caça talentos, a cantar uma das suas músicas. Tudo isto são desarmonias entre o que canta e o que prega, e o que faz.
Numa discussão que levou a um debate interessante, ou não, sobre o carácter poético e literário das letras de músicas como consequência do Nobel da Literatura atribuído a Bob Dylan, Father John Misty é a epítome desse debate na conjectura musical contemporânea. As letras das suas músicas são obras poéticas onde encontramos um exercício preciso de preservação do “Eu” perante a constante batalha interior do que podemos ser numa sociedade que teima em formatar-nos por um denominador comum, normalmente bastante baixo. O seu sarcasmo e sensualidade roça Henry Miller e há um cariz religioso e depressivo num quase anti-Cohen mesmo encarnando Garcia Lorca.
Quando o entrevistei, há cerca de ano e meio, disse-me: “Talvez eu seja só uma pessoa antiquada, profundamente reprimida.” Talvez. Ver a realidade como ela é, é provavelmente, uma das formas mais rebeldes de estar na vida. Por vezes consegue, noutras vive em conflito.
Depois de uma presença exaustiva nas redes sociais, fechou todas as contas e desapareceu da internet. Lançou “Real Love Baby”, uma canção orelhuda sobre a verdade imediata do amor, e do amor carnal, tão antigo quanto tu e eu. Deixou a porta aberta para interpretações e especulações do que poderia vir a ser o seu próximo trabalho discográfico. E iria Josh Tillman matar Father John Misty?
Não, a resposta chegou por via Pure Comedy – o álbum com edição prevista para Fevereiro deste ano. Cortou o cabelo e as barbas, e rumou às estrelas narrando a evolução do Homem desde a matéria até à sua possível extinção, numa apresentação quase documental, estritamente ligada aos vídeos de apresentação das músicas onde aprofunda as temáticas dos novos tempos e novas conjecturas internacionais, quer políticas, quer sociais, quer ambientais, que enfrentamos. Tillman explora o homem no espaço enquanto simples matéria e à simples matéria irá voltar se o seu padrão comportamental continuar a progredir desta forma suicida. O homem no Espaço, sozinho, reduzido à sua matéria, constrangido na sua sensibilidade humana, não é só um exercício antipolítico de denuncia da política, mas um exercício artístico que já vimos acontecer anteriormente quando David Bowie nos deu o seu Major Tom e levou toda uma geração de freaks e ostracizados a olhar para as estrelas e nelas encontrar algum conforto na sua melancolia.
Se Father John Misty será o que esperam dele? Não, claro que não, se é que esperam alguma coisa, eu espero muito. E neste muito esperar, muito me vou desiludir, mas isto é tão velho quanto tu e eu.
O que começou com “Only Son of The Ladies’ Man”, continua com “Ballad of The Dying Man”, a evolução óbvia do homem moribundo, prestes a morrer, que exalta a enorme importância da sua existência através do seu comentário nas redes sociais e vê a sua morte como uma perda enorme para a Humanidade. O seu contributo oco é obviamente uma analogia daquilo em que grande parte das pessoas se transformou. Já tinha abordado o tema em “Holy Shit” quando canta “the commentary, to comment on”.
Na quarta música de apresentação do novo longa duração Pure Comedy, “Ballad of The Dying Man”, o final trágico denuncia mais do que lá está escrito, como sempre, em Father John Misty. “We leave as clueless as we came, from the rented heavens to the shadows in the cave”, numa óbvia alusão à “República” de Platão. Os homens que saíram da caverna e trouxeram a verdade aos outros, foram mortos. Se o seu funeral será igual ao de Rodolfo Valentino? Não sei, mas já tenho o meu vestido de lantejoulas preto para celebrar a vida do último Ladies’ Man.