O rock está morto, o rock vive. Das poucas bandas que o mantêm vivo (ainda que ligado às máquinas), os Protomartyr fazem-no com cabeça, tronco e membros.
É das tarefas mais difíceis, esta de analisar e contextualizar um disco dos Protomartyr. A quantidade de camadas, referências, ligações que Joe Casey coloca nas suas letras tem seguimento na sonorização que os seus comparsas Greg Ahee (guitarra), Alex Leonard (bateria) e Scott Davidson (baixo) fazem ao redor do seu discurso. É um problema recorrente, já no anterior The Agent Intellect entravam referências a Aristóteles, ao Papa, a questões do cérebro e de Alzheimer. Há que admitir que não é qualquer banda que, hoje em dia, incorpora nas suas letras temas vitais e na ordem do dia.
Logo na primeira música, “A Private Understanding”, que nos convida a entrar com um pequeno extracto de bateria, acumulam-se as referências – Elvis Presley, Stalin, Heráclito, Trump, tudo metido ao barulho questionando-se, questionando-nos como raio chegámos aqui, ao ano de 2017 quando o que a ciência diz deixou de ser importante, quando a verdade de ontem já não é a de hoje. Usando alguns versos de um livro do século XVII, “Anatomia da Melancolia” de Robert Burton, Casey mostra-nos quão recorrente os problemas humanos são, como nada aprendemos com a História. Isto enquanto um corpo de som nos entra ouvido dentro, denso, inconstante, umas vezes mais calmo, outras mais intenso. São 5 minutos profundos e de perfeita amostra do que a banda é capaz.
Passamos para “Here is the Thing” e a problemática é a mesma, mas segundo as palavras do próprio Casey, nesta quis ir a um nível mais concreto: “I woke up and it seemed like everybody walking around town was an ‘innovator’ or a ‘creative.’ It all feels like something out of science-fiction and I wanted a little bit of that feeling in the song. Whether it’s good or bad, I don’t know.”. “My Children” entra no tema a que se refere este Relatives in Descent, mais especificamente sobre o que deixaremos aos nossos filhos. Casey foi desta feita buscar Bowie, e o seu verso “Don’t lean on me, man” de “Suffragette City” para ilustrar que há que pôr os miudos quanto antes a encontrarem o seu próprio caminho, em vez de ficarem para sempre dependentes dos pais.
Poderíamos continuar a entrar em cada música, a remexer cada recanto, e em cada um deles iríamos encontrar uma ideia pertinente, importante, actual. Mortalidade, o entorpecimento quase generalizado de uma população de 7 biliões de humanos que vão levando o dia a dia, são mais alguns exemplos. Em termos musicais são uma banda irrepreensível, sendo um excelente exemplo “Don’t Go to Anacita”, a canção mais apunkalhada do álbum.
Como vêm, a dificuldade acima referida é constante. As canções dos Protomartyr nem sempre têm um começo, meio e fim, já que Casey dá-nos pontas soltas de uma estória que corre na sua cabeça. Por vezes corre muito bem porque conseguimos juntá-las e captar a mensagem, noutras perdemo-nos no meio de tantas referências. Este álbum da banda de Detroit não é em si nada de novo relativamente a álbuns anteriores – uma amálgama de pensamentos que correm na cabeça de um sujeito que tenta à sua maneira perceber o que se passa num mundo lá fora que faz cada vez menos sentido. Casey levanta um pouco um véu, enquanto que os restantes membros tornam a experiência de visita ao interior da sua mente cativante e intensa.