Dia de abertura, mas com arranque a todo o gás no Primavera Sound do Porto.
Samuel Úria começou com a “corda na garganta”, afinado no rock. Ainda brincou, perguntando “qual o melhor concerto do Primavera Sound até agora”, ele que abria o Festival. Depois foi o desenrolar de belas canções, algumas recentes, outras mais antigas. Abrir com boa música portuguesa é sempre de valor, e a qualidade intrinsecamente uriana é muita e bem distinta. Pareciam tiros certeiros, os temas, uns a seguir aos outros, todos bem esgalhados, bem rasgadinhos, rockeiros até à medula. Rock, humor e castanholas. Depois chegou “Lenço Enxuto”, belíssima, com início de guitarra estridente a fazer lembrar os primeiros tempos de Billy Bragg. Para nós, melhor elogio não há do que este. Ainda houve tempo para as enormes “Carga de Ombro”, “É Preciso que Eu Diminua” e “Nunca Fui do Prog Rock”. Tudo em 50 minutos. Queríamos mais. Foi “curto, o cobertor”, mas aconchegou muito bem para a noite que ainda tardava a chegar.

Depois do bom ruído do rock, a nostalgia dos Cigarettes After Sex começou a ouvir-se no palco NOS Primavera Sound. Os quatro homens de negro são só açúcar, “impróprios para dietas” que prescindam da doçura de sons assim tão melosos. Contraste absoluto com o concerto do nosso melhor homem de Tondela, portanto. Um pouco mais de genica não lhes ficaria mal, mas o estilo é outro e isso temos de entender. Para os apreciadores, a boa notícia: o novo álbum da banda sai amanhã, e algumas das canções que nele podemos encontrar, foram tocadas em palco. Mas não é banda para espaços amplos e abertos, parece-nos. Algumas boas linhas de guitarra poderão ficar no ouvido, isso é seguro. Isso e um agradável embalo que parece mais de outono do que de Primavera.
Depois chegou a vez da dupla Leão – Matthew. Canções clássicas, todas elas, como seria de esperar. A voz poderosa do australiano combina com o recorte fino dos temas. Muito bem disposto, falando quase sempre entre canções enquanto foi estando em palco, Scott Matthew deixou depois esse espaço para um maior protagonismo instrumental da banda de Rodrigo Leão. Ora nas teclas, ora no baixo, o ex-Sétima Legião (e de algumas outras bandas, como sabemos) foi comandando as tropas. Ouviu-se violino e trompete e o público gostou, até porque há sempre um certo tom épico na pena melódica de Rodrigo Leão que agrada a muitos, e o sexteto em palco deu vida a esse particular. Depois, uma canção escrita por Charlie Chaplin (“Smile”) apenas com voz e guitarra de Scott Matthew e “I Wanna Dance With Somebody” com o orelhudo refrão entoado por milhares. Elegante e bonito concerto num final de tarde sem turbulências de maior. Apenas paz.
Ainda se pode ouvir Arab Strap com prazer. Com muito prazer, até. Um prazer que vai crescendo, crescendo… Já por cá andam há algum tempo, mas vão conseguindo manter-se íntegros e sem cedências ou facilitismos. Nunca foram verdadeiramente grandes em reconhecimento público, mas continuam a mover-se por terrenos seguros. Estava um mar de gente, colina acima do palco Super Bock, a ouvi-los. De cerveja na mão, como era o nosso caso, e com uma certa pose nostálgica, fomos ficando até ao fim do concerto que intervalou momentos de canções com voz e longos períodos instrumentais, por vezes interrompidos por linhas de spoken word à maneira dos Blue Airplanes, embora aqui na voz e no sotaque de Aidan Moffat. Algumas batidas de dança, algumas guitarras a rasgar. Em qualquer dos casos, um concerto de transição de fim de tarde para o início da noite. Com os ponteiros a marcar as vinte e duas, o primeiro dia do NOS Primavera Sound da Cidade Invicta seguia a bom ritmo, apenas com um certo Miguel que não nos deixou qualquer impressão positiva. Tentativa falhada de imitar Frank Ocean? Talvez, mas não merece mais uma linha na escrita deste dia inaugural da quinta edição do Primavera Sound.
Flying Lotus levantou voo às 23:30. A pairar, devagarinho, começou a festa, bem mais comedida do que as bizarrias dos Run The Jewels que minutos antes tinha feito uma enorme algazarra. Agora era a vez de muita fusão sonora. Drum and bass, hip-hop, jazz, eletrónica, um vasto ambiente de texturas em boa combinação e com cenário superlativo de luzes a condizer. Psicadelismo orgânico, também. Novas tendências já não tão novas, afinal. Um sample do tema principal de Twin Peaks fez-nos sorrir. A outros poderá ter passado despercebido. É sempre assim… Enquanto se esperava pelos franceses cabeças de cartaz, Flying Lotus foi fazendo o seu set, realizando a sua longa trip. Bons momentos sonoros para ouvir de olhos fechados. Tudo isto no palco Super Bock.
À hora marcada, a eletricidade dançante dos Justice iniciou a explosão “discothèque” que os caracteriza. A coisa é séria, e isso nota-se. Ninguém conseguiu assistir quieto, sem se mexer, face ao que se ouvia. Para quem não conhece os Justice, imagine a outra bem conhecida french band, os Air, nos seus temas mais dançantes, mas com muito maior boost dançante. Disco Sound do século XXI, podemos assim dizer sem grande margem de engano. Dois homens em palco, muitos milhares a assistir. A “cruz” dos Justice chamou para a frente do palco NOS Primavera Sound um imenso mar de bons fiéis. Ritmo, muito ritmo e um jeito certeiro para fazer bons temas para dançar. A receita não é nova e já foi inventada há muito tempo, mas soa sempre bem, principalmente quando o momento fechava um dia que começou com rock português e acabou com eletrónica francesa. Novo embate luso-francês, como se vê. A “bola” esteve totalmente do lados deles, mas quem se divertiu e venceu fomos nós, uma vez mais.