Poppy é um fenómeno da internet. Criada como projeto artístico/performance musical, apresenta o seu mais recente disco “I Disagree”, altamente influenciado pelo rock japonês.
A história é longa, rocambolesca e envolve advogados. Primeiro surge Mars Argo, projecto musical de Titanic Sinclair (claro que não é o seu nome verdadeiro) e a titular Mars Argo (mais um pseudónimo). Depois de umas canções indie pop publicadas no Youtube surgem contos de perseguições, abusos e providências cautelares. É das cinzas desse projecto que surge Poppy. Moriah Rose Pereira é a personagem principal e torna-se o centro de vídeos curtos que rapidamente atingem um estatuto de culto e viralidade no Youtube. Um deles é ela a olhar fixamente para a câmara e a repetir “I am Poppy” durante 10 minutos, só para terem uma noção.
Poppy é um produto de ficção, rapariga-robot com vídeos que têm tanto de engraçado como de perturbador. Mas os poucos vai-se revelando um subtexto sobre as pressões da fama, da inveja e da artificialidade de uma figura pública. Se é uma brincadeira ou uma forma de expressão artística que cada vez mais se revela complexa ainda é alvo de debate por essa internet fora.
Em 2016, Poppy tornou-se cara de uma campanha da Sanrio (marca responsável pela Hello Kitty) e em seguida surgem os discos. O primeiro, Poppy.Computer, de 2017, é leve-pastilha-elástica num estilo pop eletrónico. Tem umas influências de sintetizadores de vaporwave mas não chega a ser mais que novidade. Ainda assim a Rolling Stone inseriu o disco na lista de melhores álbuns pop de 2017. O segundo trabalho, Am I a Girl, em 2018, continua a ser bastante pop e conta com participações de Diplo e Grimes. Em 2019, surge I C U (Music To Read To), álbum instrumental que serve para acompanhar a leitura de um livro de BD (Genesis 1) que conta a origem da personagem. Agora chega este I Disagree que é uma separação, ou evolução, da personagem.
No novo disco Poppy grita, há guitarras cheias de distorção e uma onda ao estilo de umas Babymetal. As músicas ficam no ouvido ao mesmo tempo que são estranhas e alienígenas. A Poppy atual é expressiva e parece ter cortado contacto com Titanic Sinclair, alegando abusos psicológicos. Namora com o rapper Ghostmane, anunciou mais uma BD, um álbum para a acompanhar e não parece saber descansar.
I Disagree é um álbum de altos e baixos, de distorção e vozes calmas mas ainda assim com melhores e piores momentos. Arranca com a pesadíssima “Concrete” onde marca o estilo resumido do que vamos ouvir na próxima meia hora. Rapidamente passa de um solo estridente para um coro de vozes pop (com direito a la-la-las). Em seguida vem a faixa título, uma canção infecciosa sobre as pressões que um artista sofre sobre o rumo da sua carreira. “BLOODMONEY” tem uns toques de Black Midi com elementos de um som mais industrial e não é para os ouvidos mais sensíveis. “Anything Like Me” segue os passos das anteriores, com variações e quebras profundas de ritmo. Neste disco há contudo uma grande diferença que não é apenas sonora. Agora Poppy não apela a mais seguidores. “You shouldn’t be anything like me”, canta. Os temas de libertação continuam em “Fill The Crown” e o ritmo abranda com “Nothing I Need” para uma canção que não iria destoar num trabalho anterior. “Sit/Stay” é forte em paisagens electrónicas algures entre o electropop e o metal progressivo. Mais rock é “Bite Your Teeth” novamente a ecoar a um J-pop com influências de metal e hard rock. “Sick Of The Sun” e “Don’t Go Outside” lidam com o auto-isolamento no encerramento do disco e são muito mais calmas.
No geral é um trabalho que revela uma artista e personagem em mutação de estilos e temas, à procura de uma voz e narrativa mais própria.