Fugly, Shame e Tigerman incendiaram as hostes, enquanto os Japanese Breakfast e os Fleet Foxes encheram corações.
As hostilidades do segundo dia em Coura abriram ao som dos Fugly, banda do Porto que trouxe na bagagem o seu álbum de estreia Millenial Shit e muita vontade de criar caos no palco Vodafone FM. Deram um concerto com energia no máximo, conquistando assim um público que se dividia entre curiosos e já devotos. Afinal de contas, o Porto é que bem perto. Tal como referiram na entrevista dada ao Altamont recentemente, mostraram que tocar ao vivo é a praia deles, e entre solos deitados no chão e beijinhos à mãe, Pedro “Jimmy” Feio deu largas à sua satisfação por estar em cima de um palco em Coura. Excelente garage/punk rock para abrir o dia.
Os X-Wife tiveram para si a abertura do palco principal, e com disco novo na bagagem e mais pessoas no recinto a essa hora que no dia anterior, conseguiram mostrar o seu presente e passado. A banda de João Vieira e Rui Maia já tem a sua história a converger com Coura, afinal de contas, e como o próprio assumiu “foi aqui que começaram em 2003”.
Continuando o nível de energia estabelecido pelos Fugly, os Shame fizeram o público levantar os primeiros grãos de poeira no palco Vodafone neste segundo dia. Os londrinos, cujo álbum de estreia Songs of Praise é já citado como um dos melhores do ano, entregaram-se por completo ao público em canções como “The Lick”, “Concrete” e “Gold Hole” nas quais o baixista Josh Finerty saltava esquizofrenicamente por cada canto do palco. Nos momentos mais frenéticos, a euforia dos fãs levou a ondas de crowdsurfing encorajados pelo vocalista Charlie Steen que, por três vezes deu corpo à causa, lançando-se nos braços do público que o recebeu a ele e aos Shame de forma muito calorosa naquela que foi a estreia da banda em terras lusas.
Do outro lado do recinto, os Japanese Breakfast tocavam a sua curiosa mescla de indie pop experimental e chillwave urbano. Liderados pela coreana Michelle Zauner, a banda deu a conhecer aos portugueses o seu último disco, Soft Sounds from Another Planet. A estreia não podia ter sido mais triunfante. A banda consegue, aparentemente sem qualquer esforço, emular ao vivo a intimidade e a fragilidade das suas gravações de estúdio e o resultado foi um concerto que aqueceu o coração de todos aqueles que lá estavam
Houve ainda tempo para um cover de “Dreams” dos Cranberries, que encheu o pequeno palco secundário de vozes a entoarem cada sílaba. O concerto acabou com “Diving Woman” uma música na qual um simples beat techno alicerça uma núvem de sintetizadores e os vocais auto-tune extáticos de Michelle Zauner.
As bandas portuguesas há muito que reclamavam tempo de antena em horário nobre, o que em termos de festivais significa palco principal, à entrada da noite. Este ano em Coura tiveram-no ontem os Linda Martini, e hoje Legendary Tigerman. Se houvesse dúvidas que foi merecido, as mesmas foram desfeitas, com a explosão de rock n’roll a sair da guitarra de Tigerman, muito bem acompanhado por Paulo Segadães na bateria, João Cabrita no saxofone e Filipe Rocha no baixo (como aliás tem sido em toda esta tournée de Misfit). Os problemas com microfone e com feedback foram claramente abafados pelo amor que o Tigerman estava a sentir por nós, e o anfiteatro de Coura sentiu e devolveu esse amor. Entre “Black Hole”, “Naked Blues”, “Fix of Rock n´Roll” e a clássica “These Boots Are Made for Walkin'” (cover de Lee Hazlewood), as ondas de crowdsurf, e a energia de Tigerman, a comunhão foi simbiótica. O Rock n’ Roll, gritado a plenos pulmões de forma unânime continua a salvar almas.
Às 23:15 toda a gente sabia que algo muito especial aconteceria no palco Vodafone. Os Fleet Foxes emergiram numa efusão de aplausos. O concerto começou com “Grown Ocean”, para logo de seguida ir-se às contundentes “White Winter Hymnal” e “Ragged Wood”, ambas do primeiro disco homónimo de 2008. A voz imaculada de Robin Pecknold pertence agora a um homem mais seguro de si e da sua banda e esta sinergia foi evidente desde a primeira nota. É impossível não mencionar Morgan Henderson, o multi-tarefas da banda, que a cada música tocava um instrumento diferente, sendo de salientar a excelente melodia de flauta que adorna “Mykonos” e o seu acompanhamento de tuba no blues de “Mearcstapa”. Os visuais do espétaculo oscilavam entre paisagens naturais e abstrações geométricas criando um efeito hipnotizante. “I Am All That I Need/Arroyo Seco/Thumbprint Scar” começou uma breve secção dedicada ao último disco, Crack-Up que, de resto, não foi muito representado neste concerto.
As últimas três canções providenciaram ao festival o seu momento mais triunfante até agora: “Third of May/?daigahara”, “Tiger Mountain Peasant Song” e “Helplessness Blues” são, como os próprios Fleet Foxes, maiores que a vida. É destes momentos que se fazem festivais inesquecíveis como o Paredes de Coura. Momento inesquecível também para um jovem fã que foi reconhecido por Robin Pecknold, que no fim lhe ofereceu o seu casaco.
Depois da excelente performance dos Fleet Foxes, esperava-se que os Jungle fizessem aumentar a temperatura. Prestes a lançar o seu segundo disco For Ever, a banda emprestaria às canções um vigor renovado e levá-las-ia a um novo patamar. Mas não foi isso que aconteceu. O concerto dos Jungle não foi mau, longe disso. Mas faltou-lhe qualquer coisa, um elemento que esteve tão presente em Fleet Foxes e que se evaporou neste concerto. Houve momentos memoráveis e os londrinos não desapontaram os fãs que ansiavam por ouvir a orelhuda “Happy Man”, a urgência de “The Heat” ou “Heavy California” com a sua guitarra distorcida e sumarenta. Vislumbres do novo disco surgiram sob a forma da sensual e subtil “Casio” e “House in LA”, esta última sem dúvida o ponto alto do concerto, com os seus sintetizadores nebulosos e o seu ritmo persistente. Os Jungle fecharam o segundo dia do Paredes de Coura de forma apropriada mas ficou a saber a pouco.
texto por Miguel Moura e Alexandre Pires
fotos por Inês Silva