10. The Legendary Tigerman – True
Como seriam os blues se tivessem nascido nas margens do Mondego em vez de nas do delta do Mississipi? Paulo Furtado, o senhor Tédio Boys, a.k.a. WrayGunn, também conhecido por Legendary Tigerman, volta no sexto disco a solo a tentar responder à pergunta. Ele, nascido em Moçambique, criado em Coimbra e feito um dos músicos portugueses mais sólidos dos últimos anos, volta à carga com True, ali entre os blues e o bom velho rock n’ roll. Com a música portuguesa em ebulição, com projectos novos a aparecerem a um ritmo raro, é tranquilizador ver que os velhos lobos se mantêm em forma, que nem por isso cedem ao sabor da época. Depois de no requintado Femina ter mostrado pertencer a uma divisão à parte da música portuguesa, em True, Tigerman prova que as guitarras soam tanto melhor quanto mais os seus donos têm para contar. Acompanhado ou a solo, True é um dos melhores discos a contar com a voz e as seis cordas de Tigerman.
9. You Can’t Win, Charlie Brown – Diffraction/Refraction
A música que os YCWCB é elegante e sofisticada, poderá inserir-se numa prateleira de indie-rock-folk (inspirações em Grizzly Bear ou Fleet Foxes), mas também podia ser música clássica, de tão elaborada e intensa. Todas as canções são épicas. Começam em lume brando, com um dedilhar de viola quase flamenco ou umas teclas cautelosas, aos poucos vão aquecendo até explodir numa polifonia grandiosa e luminosa. Brilhantes oradores através de melodias, os YCWCB captam-nos a atenção também com contrastes constantes – não ficam muito tempo a fazer a mesma coisa. A seguir à explosão, o lume volta a baixar, as exclamações passam a afirmações e, quando o nosso ritmo cardíaco já está perto de abrandar, voltam à carga com novo estrondo. Em cima disso, cantam invulgarmente bem.
8. Gala Drop – II
É surpreendentemente refrescante e cheio de bom gosto, o eclético portento musical que nos trouxeram desta vez os Gala Drop. Guitarras feitas de éter, teclados que nascem nas Baleares e desaguam na foz do Tejo e uma percussão tribal com ecos da cena funk de Detroit (Jerry The Cat, que já trabalhou com os Funkadelic, é quem canta e se encarrega dos tambores) são só cheirinhos de algumas das sensações e lugares dos quais podemos disfrutar na bebida tropical que é II. A julgar pelo prenúncio, um grande ano os espera.
2014 foi, inequivocamente, o ano da afirmação de Capicua, rapper portuense cujos anos nestas lides não têm equivalência em termos de quantidade de discos editados. Sereia Louca trouxe muitos concertos (inclusivamente no Brasil), muitas entrevistas, muita atenção, até por parte de quem acredita que esta é a estreia de Capicua em disco. Belas malhas instrumentais com convidados sólidos e fiéis, letras do melhor que se faz em Portugal e uma visão muito própria e conseguida do que é este país visto pelos olhos de uma mulher, ainda por cima do Norte, um ponto de vista refrescante e pouco reflectido no mainstream. Juntamente com os 5-30, um marco bem alto do hip-hop português.
Tendo chegado ao patamar mais alto a que uma banda de rock fora do mainstream pode ambicionar, os Bombaim já não têm que provar mais nada a ninguém. No limite, os três bombains poderiam passar o resto da vida a fumar ganzas no adro da Igreja Matriz de Barcelos, que já ficariam com o seu nome inscrito na história do rock português. É então com toda a tranquilidade que lançam agora o seu terceiro longa duração, o grande Far Out. O disco tem duas faixas, uma por cada lado do seu suporte de eleição: o velho vinil de 33 rotações. O nome das faixas, «África IIß e «Arabiaß, revela tudo sobre a natureza do álbum: viagens por territórios quentes e exóticos que não coincidem de maneira nenhuma com a África e o Médio Oriente reais. Os Bombains nunca caem na armadilha da objectividade. As suas viagens – longas jams com um ponto de partida bem definido mas com um ponto de chegada completamente desconhecido – são sempre mentais, deformadas orgulhosamente pela sua própria consciência revista e aumentada.
Depois do intervalo intimista de O Fim, B Fachada apanha-nos onde Criôlo nos tinha deixado: uma caldeirada de folclore português, kizomba e electrónica qual Beck comendo uma dançarina minhota numa discoteca de Luanda. Fachada já explicara antes o empreendimento que agora retoma: olhar para a diáspora portuguesa, não naquilo que levámos para o mundo, mas sim naquilo que dele trouxemos. Um disco inventivo, ousado e inteligente que se arrisca muito, petisca muito mais: a certeza de um lugar a letras gordas na história da música popular portuguesa. Lá em cima, do alto da sua estrela d’alva, o velho Zeca sorrirá com orgulho.
4. Dead Combo – A Bunch of Meninos
Ao quinto álbum (sexto, contando com um ao vivo), os Dead Combo fazem o dois em um: colocam ainda mais betão armado nos alicerces onde assentam no panorama musical português e conseguem ainda acrescentar mais uns quantos óptimos pisos ao edifício que andam há 10 anos a construir.
Cruzamento entre rock rendilhado e cuidado e eletrónica gingante mas introspetiva, 8, disco instrumental, é triunfante, liga pouco a rótulos e é a banda sonora perfeita de uma viagem de 40 minutos com partida a norte, de onde a banda vem, e destino incerto. As cavalgadas de «AFG» e «Sob Evariste Dibo», ali a meio da jornada, são destaques maiores, mas não únicos. 8 são oito canções numa só, compêndio coeso e rijo que atesta que os Sensible Soccers são mais do que banda de temas e momentos dispersos. Os Sensible Soccers são já um fenómeno de culto. Amados por muitos, odiados por alguns, caminham seguros e determinados. Estrada fora, rumo à via láctea.
2. Capitão Fausto – Pesar o Sol
A 20 de Maio de 1498, chegava Vasco da Gama à Índia. Em 1572, Camões imortalizava essa viagem n’Os Lusíadas. Feita por um Capitão diferente do de há quinhentos anos, Pesar O Sol soa também a epopeia. Só que, nesta, a armada não é feita de caravelas. Se há coisa que existe em Pesar O Sol é uma reflexão acompanhada de conselhos. De uns Capitão Fausto que já não são osmiúdos de há uns anos, mas sim uma banda matura, com corpo forte, a assumir-se mais uma vez como uma das mais promissoras do país e – podemos arriscar – da Europa. Além de toda a fábula moral que os Capitão Fausto escreveram, o disco é – perdoando o lugar comum – uma lufada de ar fresco no panorama musical nacional. São eles os embaixadores do psicadelismo português e a banda que faltava. Do início ao fim, o álbum é uma constante viagem, feliz e despreocupada. É uma corrida de guitarradas desenfreadas que prova que para os Capitão Fausto não importa quão grande ou pesado o Sol seja: o Sol é leve.
1. Bruno Pernadas – How Can We Be Joyful In a World Full of Knowledge
Quem espera deste disco canções pop penteadinhas verso-refrão-verso-outra-vez, desengane-se: How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge é um álbum arrojado e experimental, em cujo processo criativo Bruno Pernadas sabia muito bem por onde começar mas não fazia a mínima ideia onde iria acabar. O disco é muito ancorado num género com pouca tradição em Portugal, o lounge, que pretende acima de tudo criar atmosferas quase cinematográficas, remetendo a melodia para um papel secundário. Sendo Bruno Pernadas um consumidor compulsivo de discos, vai-se servindo com naturalidade dos mais variados estilos (minimalismo, afrobeat, bossa nova, world music, neo-soul, indie folk) consoante a ambiência que pretende criar. A tonalidade quente e orgânica que prevalece, ao mesmo tempo sofisticada e melancólica, traça a pinceladas grossas o ambiente de cidade tropical desencantada que percorre todo o álbum. A nossa imaginação faz o resto. A ausência de interrupções entre as faixas, como se todo o álbum fosse uma só grande música, ajuda a criar o efeito de banda-sonora de um filme mental. Os loops contínuos que ouvimos em repeatsão pausas na fita, momentos importantes em que rebobinamos a cena e a vemos de novo. Por fim, a questão filosófica colocada pelo próprio título do disco: qual a melhor forma de sermos felizes num mundo atafulhado de conhecimento? Creio que a resposta só pode ser uma: consumirmos radicalmente menos coisas, saboreando devagar apenas o melhor da vida. Como este disco.