Já vamos a mais de meio do ano e, por entre a enxurrada de novos discos, também nós vamos pensando nas nossas escolhas que só serão divulgadas mais para o final do ano. No entanto, várias publicações de referência (Pitchfork e Mojo, por exemplo), vão fazendo balanços “ao intervalo”, definindo os melhores discos do ano, até agora. O Altamont foi consultar cinco desses rankings e construiu, com base nessas escolhas, um top de 15 discos que mais se repetem nos aplausos da crítica. Uma boa ajuda para tentar conhecer alguns dos discos que mais estão a agitar as águas em 2014.
1 – The War on Drugs- Lost in the dream
“As mudanças, as novas camadas que vão aparecendo ao longo das várias músicas são precisamente o que o faz tão grande quanto é; aqui apresenta-se sob a forma de uma guitarra que, sem nada o prever, aparece e liberta, da torturada alma de Adam Granduciel, todos aqueles sentimentos de tristeza e dor”. Foi desta forma que o Altamont apreciou este disco que lidera várias tabelas dos melhores do ano. Um som meio Kurt Vile meio Bruce Springsteen, com muita emotividade e grandes, grandes melodias.
2 – Swans – To be kind
Devo confessar que não tinha ainda ouvido este disco antes de começar a escrever este texto. E ainda não sei bem o que vos dizer. Os Swans têm várias décadas de carreira e passaram pelo rock industrial, pelo pós-rock, por vários lados negros da música. Nesta última encarnação do projecto de Michael Gira, que já dura há alguns anos, os Swans estão a fazer tudo menos viver dos hits do passado, até porque nunca houve hits na carreira dos Swans (e se houvesse eles certamente os destruiriam). Este To be kind é um colosso de mais de duas horas, em duplo cd ou triplo vinil, seguindo-se a The Seer, outro magnífico álbum feito de exploração e ambição. E é exploração que temos aqui. Kraut narcótico e lento, drones repetitivos e negros, mantras desconexos; faixas longas, longuíssimas (uma delas tem mais de meia hora), que crescem e se desdobram com calma; um cenário de frieza maquinal e de loucura controlada. A banda sonora de um cenário pós-apocalíptico, ou o som de um homem que, só, contempla o sentido da vida,ou a ausência dele. Este não é um disco para ouvir no carro ou enquanto se come um hamburger num sítio da moda. Este é, provavelmente, o disco mais arrojado e original que encontrará nesta lista. Que a crítica tenha tido a ousadia de o salientar, só é prova de vitalidade da mesma.
3 – Angel Olsen – Burn your fire for no witness
Desde Fevereiro que este disco anda por esse mundo fora a fazer vítimas. O contraste com a entrada anterior desta lista não poderia ser maior; aqui, não falamos de fim do mundo, de obras com ambição de tudo questionar; falamos, sim, de um bom disco pop intimista, daqueles que fazem sempre falta e dos quais nunca teremos de sobra. Estruturas clássicas e simples, com um bate o pé de rock, mas soando como um disco de uma cantora dos anos 50 ou 60. A própria produção dá-lhe um ar retro, como aquelas deliciosas bandas sonoras dos filmes do Tarantino. Um álbum vindo de outro tempo, mas que é mais do que mero pastiche. Basta comparar este Burn your fire for no witness com Ultraviolence, de Lana del Rey, e percebemos que, em termos sonoros, estão ambas a tentar o mesmo. Mas Olsen é, em termos musicais, claramente mais consistente; mais, as suas letras pessoais são uma delícia para quem procura o dia a dia emocional numa canção.
4 – Sun Kil Moon – Benji
Estávamos em Março, mas a crítica do Altamont já tinha muitas certezas.
“Ok, pára tudo. Sim, pára tudo mesmo. Podem já fechar o ano musical de 2014, está encontrado o álbum do ano, Benji, de Sun Kil Moon. Benji não é só potencialmente o álbum do ano, pode mesmo vir a ser dos melhores álbuns dos últimos anos. Indispensável para qualquer ser humano que goste de música, seja de que tipo for”. Canções simples em formato acústico, praticamente apenas voz e guitarra. O grande trunfo do disco são, indubitavelmente, as letras, de uma crueza e de uma beleza que não temos visto em disco nos últimos anos. Se lhe dermos atenção, Benji agarra-nos e levará tempo até que nos consigamos libertar.
5 – Mac DeMarco – Salad days
“Escrevo estas palavras a ouvir não só o disco em análise, como o “tac-tac-tac-tac” veloz da película que grava a realidade que Demarco consegue criar. Escrevo estas palavras vendo a vida pela lente de uma Super 8. É esta a força deste psych melancólico e feliz. Dizem que a música não tem tempo, que seja qual for a altura em que se toca este ou aquele autor, o factor qualidade garante o factor actualidade. Eu acredito. Mas mais que isso, música como esta faz o tempo que não vimos parecer aquele onde vivemos. Transporta-nos para aquilo que a nossa imaginação constrói e os nossos olhos julgam ver, as nossas mãos julgam sentir. Poucos conseguem fazer isto, hoje: Mac é um deles”. A leitura do Altamont fala de uma pop que nos leva para outro tempo. Ao segundo disco, Mac DeMarco assume a candidatura à Liga dos Campeões.
6 – Sharon Van Etten – Are we there
Tal como em 2013 a britânica Laura Marling nos deixou maravilhados (22º melhor disco do ano para o Altamont, 2º melhor para o autor destas linhas), Sharon Van Etten representa, em 2014, a boa folk/pop pessoal no feminino. Tal como Marling, a norte-americana Van Etten tem vindo a subir o nível do seu jogo a cada novo disco. No anterior, os créditos de produção de Aaron Dessner, dos National, levaram muito boa gente a atribuir a qualidade e o sucesso do álbum a esse facto; pois a cantautora volta agora, só, produzindo este disco e até subindo a fasquia. Are we there é feito de canções mais espartanas que o antecessor, assente num esquema de voz bem à frente, piano a assegurar a estrutura da canção, guitarra e uma bateria e um baixo discretos. A estrela é a voz da artista e, sobretudo, as suas palavras. Sharon fala, quase sempre, de relações, e sobretudo do que corre mal nestas, mesmo quando elas correm bem. É com este contraste das pequenas coisas que, juntas, dão significado às grandes, que Van Etten nos conquista. Desafio quem quer que ame, ou tenha alguma vez amado, a não encontrar aqui pelo menos uma canção que lhe toque o coração. Ou a cabeça, porque isto não é música lamechas.
7 – Real Estate – Atlas
Mais um disco que não escapou ao radar do Altamont, que o descreveu como “um disco pop leve, doce e de impecável bom gosto”. Está aqui tudo o que tem feito o som dos Real Estate: guitarras jangly a la Byrds, um flirt com um som de praia mais Drums que Beach Boys, letras simples mas bem construídas, naquilo a que chamámos o campeonato da pop betinha/hipster (Vampire Weekend, Girls, Drums, por aí). E atenção, isto não parece mas são elogios. É ouvir este belíssimo Atlas enquanto ainda há sol.
8 – St Vincent – St Vincent
Ao quarto disco, Annie Clark aka St Vincent dá o seu próprio nome artístico a um álbum. Sinal de confiança, dizemos nós, de alguém que a cada ano soa mais com voz própria. Neste St Vincent, a artista pop mais inteligente da cena actual, encontrou definitivamente a sua voz, o seu som, o seu caminho. O que é estranho em Annie Clark é que, estruturalmente, estamos a falar de músicas pop; ora o pop é, tendencialmente, simples, descomplicado, acessível, até básico. A capacidade de St Vincent, mais uma vez visível à légua neste disco homónimo, é agarrar em composições intrinsecamente pop mas depois tocá-las de forma estranha, inesperada, “ao lado”. A Pitchfork salienta um ponto que me parece muito pertinente: fala de textura na música de St Vincent. É como um arquitecto desenhar um prédio correctamente, mas depois optar por construí-lo em areia, ou em água,ou em marshmallow, apenas porque é mais interessante e porque toda a gente já usou cimento e tijolos. A textura neste disco vê-se no cuidado das percussões, os coros estranhos, a forma como as linhas rectas são revestidas de materiais fora do comum e estimulantes. Isto tudo e, claro está, o fino humor e ironia das letras de St Vincent. E facto curioso, para quem já viu a senhora ao vivo: como é que uma excelente guitarrista faz um disco em que a guitarra é apenas mais um elemento, e não o centro do palco. Um disco feito nos arredores mais sofisticados da pop, que arrisca levar o género a sítios novos. Pop para intelectuais, o que é bom.
9 – Todd Terje – It’s Album Time
Esta é, provavelmente, a entrada mais descontraída desta lista. O norueguês Todd Terje anda há alguns anos a brincar aos singles e às remisturas, destacando-se entre a armada nórdica dos Dj de bom gosto (David Guettas são num guichet diferente, obviamente). Faz parte da santíssima trindade do novo disco/lounge/electrónico da Noruega, juntamente com os mais conhecidos Lindstrom e Prins Thomas, que reinam nas ondas hertzianas da música instrumental planante. Terje traz-nos também esse som, mas também vários outros. It’s Album Time, o nome do disco, bem como a sua capa meio ‘cheesy’ de bar de hotel, mostram-nos o sentido de humor deste Todd Terje. O som junta os já mencionados Lindstrom e Prins Thomas com homens de classe como John Barry e Henry Mancini, uns toques de soul Stevie Wonder, lounge de boteco manhoso colheita Franks Wild Yeards de Tom Waits, surf music e uns pozinhos dos Royksopp (alguém se lembra?). Num álbum quase todo instrumental,variado mas ao mesmo tempo coeso em termos estéticos, o ‘alien’ é “Johnny and Mary”, cantado por Bryan Ferry, trazendo à memória os Roxy Music. Em suma, Terje traz-nos um disco que promete ser a banda sonora do Verão de muito boa gente. Que isto possa ser dito de um disco pop despretensioso e ao mesmo tempo muito bem feito é uma grande bênção.
10 – Future Islands – Singles
Eurythmics + La Roux com Joe Cocker como vocalista. Perdoe-se-nos a fórmula simplista ainda que estranha, mas são tudo ingredientes que fazem estes Future Islands. Depois de vários anos a aprimorar o seu synth-pop sem que alguém quisesse saber, parece que, ao quarto álbum, o mundo parou para, finalmente, os ouvir. É pop electrónica bem ‘catchy’, bem feita, à beira de pedir sucesso mainstream e, com sorte ou azar, estádios a cantar o refrão. No meio das composições quase new wave, feitas de uma plasticidade herdeira dos anos 80, a voz carismática e semi-épica de Samuel Herring dá o toque humano que faz a diferença. Esta voz, que para alguns soa estranha pela forte personalidade que carrega face ao background leve da cama musical, é talvez o que marca a linha dos Future Islands face a outros projectos do mesmo tipo. Ah, e temos de salientar que Singles tem a capa mais bonita do ano, até agora. Para quem, como nós, gosta de discos, isto não é só um pormenor.
11 – Neneh Cherry – Blank Project
A maior parte do mundo tomou conhecimento da existência de Neneh Cherry em 1994, com o lançamento e sucesso planetário do single “Seve Seconds”, de Youssou n’ Dour, que contava com a voz de Cherry. Filha de mãe sueca e de pai da Serra Leoa, que viveu consecutivamente na Suécia, nos EUA e em Londres, Neneh não era exactamente uma novata. Desde o final dos anos 80 que frequentava os meios alternativos da música londrina, oscilando entre o rap que sempre lhe colaram e um hip-hop e uma soul que mais se adequava à sua profunda voz. Tal foi o impacto desse e de outros temas que Cherry ganhou um culto junto da comunidade hip-hop (os Da Weasel, por exemplo, mencionam-na numa música). Estranhamente, desde 1996 que Cherry não lançava um disco a solo, explicando-o com o facto de ter encontrado outras formas de escape artístico. Os primeiros anos desta década deram com ela em programas de televisão, trabalhos como dj ou curadora musical de eventos. Até que chegou a hora de Blank Project, disco que lhe está a valer elogios. São composições esparsas, com pouca instrumentação, assentes sobretudo no binómio percussão electrónica/voz de Cherry. Um tribal tecnológico cujo calor vem da voz e não dos instrumentos; toques de trip-hop lembrando os primeiros tempos dos Massive Attack. Um disco com uma identidade muito própria e muito identificável, marcando o regresso de uma senhora a reclamar o lugar que não devia ter abandonado.
12 – Wild Beasts – Present Tense
Ao quarto disco, os Wild Beasts completam uma trilogia muito bem sucedida, iniciada com Two Dancers, de 2009, seguida por Smother, dois anos depois. Este Present Tense traz-nos, de certa forma, mais do mesmo, o que não é dizer pouco de uma banda que tem um som distintivo e próprio como quase nenhuma outra no indie-rock actual. Sejam as duas vozes masculinas, num constante duelo e compensação entre tom grave e tom agudo; sejam os sintetizadores bem à frente; seja a guitarra que só aparece para cortar a direito; seja o baixo mexido; sejam os pormenores electrónicos que aparecem das colunas fora; seja a bateria tensa e ansiosa à moda dos Editors ou dos National. A verdade é que os Wild Beasts trazem novo disco feito de sensibilidade, bom gosto na composição, com a vantagem de, na maior parte das músicas, o carácter épico/dramático dos temas ter sido reduzido face aos discos antecessores. Present Tense é pop da mais bem feita que se tem encontrado em 2014.
13 – Ben Frost – Aurora
O que aconteceria se metessem James Blake, uma caixa de pregos, os Swans, um bloco de gelo, o computador Deep Blue e um rolo de arame farpado numa batedeira? Sairia Aurora, de Ben Frost. A ligação aos Swans não é inocente, porque este disco conta com o habitual percursionista daquela banda; quanto a James Blake, é uma certa frieza maquinal que, nos trabalhos de Frost, não é contaminada pelo elemento humano, ao contrário do que acontece com o prodígio do dubstep. Este é um disco feito de ruído, ‘white noise’, sintetizadores furiosos, camadas de sons e ritmos animais criados por máquinas. Uma colecção de temas que compõem um todo coerente, uma ode ao drone que se vai desenvolvendo no meio do caos. Ben Frost traz-nos aqui uma obra conceptual, sem compromissos, sem facilitismos. Um disco que se revela com múltiplas audições mas que nos afasta ao início, como se testasse a nossa convicção, para depois nos recompensar. Um passo corajoso e significativo, de quem parece acreditar que ainda há muito por explorar e inventar na música.
14 – Beck – Morning phase
“Se crescer, como crescem eternamente as grandes obras primas, poderemos estar na presença de um caso sério. Se não se transformar assim tanto, estaremos sempre na presença de um bom disco de Beck, que não ficará na história da sua discografia como uma das suas mais importantes obras, mas que mesmo assim não a vai manchar minimamente”. Era assim que o Altamont abordava este último e ansiado disco do grande Beck. Traçando o paralelismo com Sea Change, o “disco-gémeo” de há 10 anos, encontramos um Beck mais maduro, mais calmo, mais conservador, mas completamente na posse das suas enormes qualidades. Um disco sólido como já não há muitos.
15 – Damon Albarn- Everyday robots
Tal como sucedeu com Beck, também Damon Albarn tem vindo a buscar novos caminhos, e presenteou-nos em 2014 com uma das suas obras mais adultas e mais sóbrias. Descrevemo-lo assim: “Everyday Robots não é um trabalho primaveril, e muito menos um conjunto de canções para o verão. Antes pelo contrário. Convida a ter por perto uma mantinha de lã que aconchegue a névoa e o frio lá de fora, pede um english breakfast bem forte e fumegante entre as mãos. Por isso tenho para mim que este novo disco de Damon Albarn ganhará ainda mais corpo quando chegar o outono, que para já quero bem distante. Everyday Robots é um disco em contra corrente, e é fácil perceber que possa defraudar as expectativas de quem desejaria um álbum de luminosidade pop, centrado num tempo e num percurso que já foi trilhado há muito, e que por essa mesma razão já não deverá fazer grande sentido para Albarn”. Com tantos anos de carreira e tantos projectos diferentes, ainda não foi desta que conseguimos apanhar a voz dos Blur num passo em falso.