Mais de uma década após a estreia, os Oasis lançam Don’t Believe The Truth, o seu sexto disco de originais. A Britpop já estava arrumada a um canto há muito mas os irmãos de Manchester ainda teimavam em manterem-se relevantes.
A passagem do milénio não foi simpática para os irmãos Gallagher. Após o lançamento de Be Here Now, em 1997, a banda começou a desintegrar-se. Bonehead e Guigsy, cansados da turbulência constante em redor da banda, abandonaram o barco. Além dos irmãos, só Alan White resistiu, também ele já um substituto do baterista original, Tony McCarroll. Estava mais do que provado que os Oasis eram, basicamente apenas Noel e Liam. Em 2000, Standing on the Shoulder of Giants é lançado, praticamente todo composto e escrito por Noel, à excepção de “Little James”, pela mão de Liam. À altura, Noel referiu que teve de deixar a canção entrar, mesmo que a tivesse achado uma merda, porque sabia que Liam nunca mais tentaria escrever mais nada no futuro caso não o tivesse deixado.
O disco, embora de qualidade, marca o início do afastamento do público mainstream da banda de Manchester. Após a desgraça do nu metal, um outro género começava a aparecer. The Hives e White Stripes antecipavam o novo movimento que seria escancarado com os Strokes. Um rock mais directo mas não maior do que a vida como o dos Oasis. Mais relacionável e menos conflituoso.
Em 2002, os Oasis lançam Heathen Chemistry, um disco de muitas estreias. Pela primeira vez, Noel aceita partilhar a composição de canções com a banda completa. Os novos elementos Andy Bell e Gem Archer têm direito a uma música cada e Liam, pasme-se, a três, tendo uma delas sido lançada como single – “Songbird”. A digressão do seu quinto disco seria, novamente, marcada por confusões e problemas, contando com espectáculos cancelados devido a um acidente de viação que envolve Noel, Andy e o teclista que acompanhava a banda na estrada, Jay Darlington. O ano não acabaria sem que Liam voltasse a ser detido, desta vez na companhia de Alan White, após uma noite de copos e drogas no bar de um hotel em Munique que acabou em pancadaria com locais, com Alan a ser atingido com um cinzeiro na cabeça e Liam a perder dois dentes. As coisas acalmaram e a tour mundial acabou sem mais problemas, estando previsto para o final de 2003 o início das sessões de gravação do futuro disco, com produção do duo Death In Vegas (Richard Fearless e Tim Holmes), pois Liam tinha ficado bastante agradado com o resultado da sua colaboração no single “Scorpio Rising“.
No entanto, como nunca há bonança que dure nos Oasis, a tormenta chega de novo com o despedimento do baterista Alan White, o membro não-Gallagher mais antigo da banda. A razão da sua saída nunca foi inteiramente explicada mas rumores, na altura, diziam que White tinha leakado o disco anterior, provocando a ira em Noel, além de ter falhado ensaios de gravação do futuro disco. Isto tudo, aliado ao facto de estar com tendinites nos seus braços, fez com que a banda tivesse de arranjar substituto para a bateria. O escolhido para começar as sessões com os Death in Vegas foi o desconhecido baterista dos Proud Mary, Terry Kirkbride. Porém, a sua participação seria apenas em estúdio, dado que Noel achava Terry demasiado caótico e instável para seguir a banda em tour, temendo que este desaparecesse nalguma localidade mais exótica. Para os acompanharem, Noel escolheu Zak Starkey, filho de Ringo Starr, alimentando ainda mais o desejo de Noel e Liam de estarem o mais próximo possível de algo ligado aos Beatles.
Entretanto, ao fim de três ou quatro semanas, as sessões com os Death In Vegas não chegam a bom porto e acabam por ser riscadas, só se aproveitando “Turn Up The Sun”, “Mucky Fingers”, “A Bell Will Ring”,”The Meaning Of Soul” e o b-side “Sittin’ Here In Silence (On My Own)”. Noel nunca criticou os Death In Vegas (DIV) pelo fracasso das sessões, sempre garantindo que o resultado final não estava exactamente como a banda desejava, necessitando de uma pausa para decidir novas direcções e, devido a compromissos posteriores dos DIV, não foi possível recomeçar nova ida para estúdio. Deste modo, e tendo um novo baterista para a futura tour, Noel convida Zak, já livre dos seus compromissos com os The Who, a participar na regravação dos temas já completados e em novos, os quais a banda já andava a escrever, primeiro nos estúdios de Noel e apenas com a própria banda, à semelhança de Heathen Chemistry, depois em Los Angeles e com um novo produtor, Dave Sardy, que trabalhou com os The Thrills, a quem Noel pela primeira vez entrega as rédeas quase por completo. O resultado deste longo processo sai em Maio de 2005, com o nome Don’t Believe The Truth e é recebido por fãs e críticos como o melhor álbum desde Morning Glory, e o regresso a um nível que já muitos duvidavam que voltassem a ter.
Como acontecera no disco anterior, Don’t Believe The Truth teve contribuições na escrita de canções de todos os membros da banda e não só do patrão Noel Gallagher. Mais, é o primeiro álbum dos Oasis em que todos os elementos tocaram vários instrumentos e não apenas o seu.
O disco abre com “Turn Up The Sun”, escrita pelo baixista Andy Bell, antigo membro dos Ride, com Liam nas vozes. A canção, salva das sessões com os DIV, porém regravada, tem uma aura muito própria e bastante diferente das composições de Noel, com a sua intro e outro como destaque.
Logo de seguida somos surpreendidos por um som bastante familiar. Será que o disco não foi bem gravado e substituíram canções por outras de outras bandas? Quando, por fim, ouvimos a voz de Noel percebemos o que se está a passar. Uma vez mais, o líder da banda de Manchester fez das suas. Roubou, escandalosamente, outra banda como já o tinha feito em “Cigarettes and Alcohol” (“Bang a Gong”, de T-Rex) e fá-lo-ia, uma vez mais em “Waiting For The Rapture” (“Five To One”, dos Doors), entre muitas outras com roubos mais subtis. Desta feita, a vítima foi Lou Reed e os seus Veltet Underground em “Waiting For My Man”, com a sua inconfundível sequência de acordes ásperos e quase kraut. “Em Mucky Fingers”, Noel desacelera o mantra de Reed, acrescenta-lhe uma harmónica e canta de modo mais épico, contrastando com o drone do vocalista dos Velvet. Esta foi a única canção que se salvou a 100% das sessões abortadas, contando com Terry na bateria, acabando este por entrar nos créditos finais do álbum.
“Lyla”, primeiro single de Don’t Believe The Truth, lançada umas semanas antes da sua edição e gravada, propositadamente, para que o disco tivesse uma canção mais pujante para a sua apresentação, acabou por ser bem sucedida. Noel tinha escrito a canção no ano anterior mas nem sequer a tinha considerado para as sessões de gravação. A sua preferência para primeiro tomo seria “Mucky Fingers” mas deu a mão à palmatória quando “Lyla” chegou a número 1 no Reino Unido.
À quarta canção, Liam volta a ter uma canção escrita por si, a primeira de três, nesta com ajuda de Gem Archer. “Love Like a Bomb” é uma espécie de sequela, com mais detalhes, de “Songbird”. Segue-se “The Meaning Of Soul”, uma canção roqueira, que nos passa à frente como um comboio sem travões, tal o seu ímpeto. Uma das curiosidades desta canção é o facto de Zak ter usado uma caixa de cereais por cima da tarola para buscar um som muito específico – “Elvis a dar no crack” – como lhe chamou Noel Gallagher. Esta trilogia de canções escritas por Liam termina com “Guess God Thinks I’m Abel”, faixa que toca ao de leve na relação entre Liam and Noel, na qual o irmão mais novo se sente o Abel, enquanto Noel seria o Caim. Uma tirada bíblica numa canção que se destaca mais pela sua parte musical do que pela cantada.
Antes destas, Noel entrava, novamente, em cena em Don’t Believe the Truth com a melhor música do disco. “The Importance of Being Idle”, descrita pelo próprio músico como a canção que imaginava os La’s a tocarem Kinks, ou vice-versa. A atmosfera da faixa remete, claramente para os anos 60, influenciada por “Lazy Old Sun”, “Sunny Afternoon” ou “Waterloo Sunset”, dos Kinks, enquanto a letra é um hino a todos os preguiçosos desta vida.
Passando pelas mais esquecíveis “Part of The Queue” e “Keep The Dream Alive (mais uma de Andy Bell), chegamos a “A Bell Will Ring”, escrita pelo guitarrista Gem Archer, que nos dá uma das melhores canções do disco. Nos seus três minutos cabem quase todas as faixas de Revolver, especialmente “Taxman” e “Tomorrow Never Knows”.
O álbum despede-se com o single final, “Let There Be Love”, num raro dueto quase de amor fraternal entre Liam e Noel, como apenas tinha acontecido em “Acquiesce”, lado-B de “Some Might Say”. Uma canção lindíssima que teria tido mais impacto tivesse sido escrita nos anos 90.
Don’t Believe the Truth chegou a tripla platina no Reino Unido na primeira semana de 2006, apenas sete meses após o seu lançamento. Para o divulgar, a banda embarcou numa tour mundial, visitando 26 países, entre os quais Portugal, no festival Sudoeste, tocando para mais de três milhões de pessoas, num total de 113 concertos, sem problemas de maior. Daqui resultou a gravação de Lord Don’t Slow Me Down, mais tarde lançado em DVD.
A banda, que ainda lançaria Dig Out Your Soul, três anos depois, trabalho ainda mais experimental e psicadélico do que os anteriores, acabaria por desintegrar-se devido a graves problemas entre Noel e Liam (que novidade…), entrando num hiato gigante de 2009 até 2025, com Liam e Noel, finalmente, a enterrarem o machado de guerra, tendo resolvido os seus problemas pessoais e embarcado numa tour mundial de grande sucesso.