Com o segundo dia esgotado, Dua Lipa foi a cabeça de cartaz na noite de ontem, mas houve uma Aurora que se fez notar, intensa e misteriosa como qualquer alvorada que se digne.
Para nós, depois de uma noitada das antigas, o segundo dia do NOS Alive começou com o som das Larkin Poe. Havia que aproveitar a hora e o espaço ainda nada cheio do Palco Heineken. Num dia mais a atirar para o pop, foi ao rock das meninas Rebeca Lovell e Megan Lovell que piscámos o olho logo de início. Todos de ganga e Converse (foi o que nos pareceu, mas não damos garantias absolutas), as Larkin Poe soam loud, bem loud, com guitarra e slide guitar de trazer ao ombro, baixo e bateria. Basta isso para deitar a casa abaixo. Voz forte, poses roqueiras, simpatia sorridente do início ao fim. Uma ou outra canção a lembrar cowgirls em plena pradaria. A todo o instante poderia aparecer o Bonanza ou outro que o valha. Elas são miúdas, na casa dos vinte. Nashville, Tenessea em Algés. Sempre em diálogo com o público, satisfeitas e felizes por estarem em palco. Mesmo sem grandes temas conhecidos do público português, deram o litro e nisso há sempre uma recompensa. Foi fixe! A tarde sorriu para as manas.

Next stop: Sea Girls. A banda de rock nada traz de novo, e por isso basta um parágrafo para registar a nossa opinião, que seguramente não será a dos muitos presentes à frente do palco. Energia a rodos, mas canções minimamente memoráveis, nem vê-las. Rock antigo tocado por gente nova. Ao menos, que se mantenha o fascínio pelas guitarras e pela vibe do rock n’ roll, mas o entusiasmo sentido por nós (e apenas por nós, provavelmente) não nos deu lá muito boas vibes.
Fomos ouvir o trap-pop de Ashnikko, e apesar da entrega da moça em cima do palco, também não era a onda em que gostaríamos de navegar. Haja vagas de som para todos, que é para isso que serve a boa bandeira da diversidade. Que sejamos todos felizes!

Demos um pulo para ouvir Nathaniel Rateliff & The Night Sweats. Grandes cowboys, e lembramos que já tínhamos assistido a duas cowgirls muito bem dispostas um pouco antes. Rateliff é muito boa onda. Já abriram para os Rolling Stones, o que não é de somenos. O octeto veio apresentar o recente The Future, que tem algo de instant classic. Como a vida é uma correria que mais se acelera nos festivais de música, partimos para outra. Na verdade, a essa hora, já só pedíamos uma bucha em pão saloio e uma cervejola ou duas de frescura ártica. Aurora era a próxima paragem, mística e fora da caixa, vinda dos mares do norte. Por vezes é preciso um sopro fresco para nos aquecer. Parece um paradoxo pessoano, mas pode acontecer a qualquer pessoa. Aconteceu-nos.

Aurora, quando a noite começa a pintar-se de escuro. Há um encanto particular nessa rapariga nórdica. A música dela não é para todos, mas agrada-nos. Cruzam-se em Aurora mistérios antigos. Parece uma personagem perdida na Brumas de Avalon dos tempos modernos. E soa a Kate Bush (essa grande mestra) e um pouco a Björk, embora cresça musicalmente para outros lugares difíceis de definir. Talvez seja esse o seu maior fascínio. Fortíssima presença em palco, a da norueguesa bonita. Também se dança com Aurora, é bom não esquecer, mas foi quase impossível fazê-lo dentro do recinto do palco Heineken. Há uma certa vulnerabilidade poética nela que fascina. Prometeu voltar em maio (acho que não erramos no mês) e ter a hipótese de ouvi-la num espaço que não o de ontem, deixa alguma água na boca. A aurora desse dia distante, ficará registada nas nossas agendas. Gostámos muito, mas disso já nós sabíamos antes do concerto acontecer. See you soon, Aurora. Ou melhor: vi sees snart, Aurora.
E da bruxinha boa das terras geladas, fomos até Arlo Parks. Mudámos, num ápice, de continente sonoro, por assim dizer. A onda soft-melódica de Arlo Parks foi um excelente digestivo para a feijoada de choco ingerida uns instantes antes. Boas e delicadas canções como “Hurt”, “I’m Sorry” ou “Pegasus” soaram maravilhosamente. E o soft-funk de “Too Good” também deu boas vibes. As canções de Collapsed in Sunbeams e de My Soft Machine crescem em palco, parecendo moldadas a uma estética de conjunto, de unidade, que não terá sido definida por mero acaso. Há uma poetisa por detrás de tudo isto, convém não esquecer. Supa Dupa, senhora Parks. Foi um prazer.

Por vezes, há coisas que acontecem e que não deviam acontecer. Uma pessoa dá dois dedos de conversa, encosta-se a um copinho maroto de cerveja para ajudar ao bate-papo e as horas passam, esquecidas. Quando pusemos ponto final ao parlatório, nem os nossos olímpicos chegariam a tempo para ouvir integralmente Michael Kiwanuka. Caramba! Mas mais vale admitir o erro no timing da coisa. A consolação é que a conversa foi boa, sobre o soberbo disco de Herbert, vejam só, de nome Bodily Functions, que curiosamente tínhamos posto a tocar pela manhã, para acordarmos melhor. Fomos, mesmo assim, contra uma enorme maré de gente (é sempre assim nos dias esgotados) e conseguimos ainda ouvir um ou outro tema. “Final Days”, “Solid Ground” e “Cold Little Heart” serviram de precário consolo para tão grande falha. Our bad! Shame on us.

E, finalmente, Dua Lipa. Começou com um piscar de olho declarado aos Primal Scream e ao icónico “Loaded”. Ao que parece, o recente Radical Optimism terá sido inspirado, pelo menos em parte, pela obra seminal da banda de Bobby Gillespie. No entanto, dessa fonte originária, pouco ou nada se nota, como seria de esperar. O concerto de Dua Lipa corresponde, como o de Lana Del Rey no recente festival mais a norte, por exemplo, a uma típica mega produção de dimensões hollywoodescas. Nada falta. Muito fumo, muito glitter e rebentamentos de papelinhos pelo ar. Até fogo de artifício, no final. Escadas em palco por onde se sobe e desce com alguma insistência e bailarinos e bailarinas que não largam a diva anglo-albanesa. Mexe-se muito nos cabelos esvoaçantes. É este o modelo que se repete neste tipo de produção de espetáculo. O que difere, obviamente, são as canções. E por falar nisso, as mais apetecidas pelos milhares à frente da cantora foram, naturalmente, “Training Season”, “New Rules”, “Ilusion”, “These Walls”, “Happy for You”, “Cold Heart” (desta vez sem Elton John), “Be The One” e “Houdini”, depois do que, como por magia, o concerto terminou. Muita alegria, muita emoção saída das gargantas das gentes mais novas, mas também algumas linhas de coca (sim, é bem verdade) snifadas ao nosso lado. Pois é, não faltou inspiração, se é que nos fazemos entender. Nem no palco, nem entre o público, embora de maneiras bem diferentes. Pouco passava da uma da manhã, quando vagas de ondas de gente rumaram a outros locais do recinto, procurando ainda alguns concertos sobrantes. Nós, nem por isso. Foi por essa altura que fechámos a loja.
Fotografias: Inês Silva, excepto onde referido







































